Sombras de Silêncio #183

Olharam depois os dois para Miguel, que percebeu as intenções e levantou-se num sorriso, dissimulando a tristeza. Foi depois para debaixo da carroça, choramingando as suas mágoas. Ao deitar-se, foi inquirido por Rui sobre o paradeiro de Ritinha.

– ‘Tá com o homem do começo.

– Quem?!

– O homem do começo, aquele que ‘tava p’rali a falar aos outros homens – confirmou Miguel, enrolando-se nos cobertores.

Rui saiu então da carroça e foi, pé ante pé, ao encontro dos dois. Avistou-os depois e prosseguiu sem ser notado. Muito agradado com a disponibilidade e beleza daquela jovem mulher de cabelos encaracolados e simpatia desafiante, Tiago decidiu deixar o conforto das palavras e arriscou apalpar-lhe a perna. Porém, Ritinha não se coibiu e deu-lhe uma chapada pelo atrevimento. Pouco habituado a ser recusado pelas mulheres, Tiago empurrou-a e quis devolver o tratamento, mostrando que conseguia sempre o que queria. Nesse instante, Rui deu um salto e empurrou-o para a ria. Ato contínuo, Rui agarrou a irmã e puxou-a para si, tirando-a do muro. Na água, Tiago debatia-se para se manter à superfície. As paredes altas da ria e o facto de não saber nadar rapidamente se conjuram numa luta agonizante e infrutífera pela vida. Tiago gritou por ajuda sempre que conseguia erguer o rosto do desespero, mas ninguém acudiu. Rui permaneceu impávido ao vê-lo debater-se nas águas frias e sujas. Ritinha abraçou-se ao irmão e desatou a chorar no seu peito, tapando depois os ouvidos de forma a não escutar os gritos angustiantes. Com a agitação, e ainda em ceroulas, Saraiva acorreu ao local. Quando lá chegou já Tiago tinha desaparecido no silêncio da escuridão.

– Mas afinal o que é que aconteceu aqui? Que barulho foi este? Vocês estão bem? – perguntou o pai, enquanto Ritinha se mantinha agarrada ao irmão, ainda de pânico.

– Foi o moço do comício, o que tinha a cara tapada. Queria fazer mal à Ritinha, mas eu nom deixei. Foi parar ao fundo do rio – confirmou Rui.

– Isto é verdade? – inquiriu o pai, perplexo.

Ritinha não conseguiu retorquir. Nem o próprio nome conseguiria dizer se lho pedissem. Manteve-se inerte, banhando em lágrimas a camisa do irmão.

– Que ninguém se mexa! – gritaram do outro lado da margem.

Sombras de Silêncio #183

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