De imediato, um dos guardas dirigiu-se ao difamador para o prender. Porém, os marnotos juntaram-se à volta do rapaz e travaram o avanço do guarda. Os outros três, sentindo a perigosidade do momento, juntaram-se ao colega, largando ameaças de prisão e baloiçando freneticamente os bastões. A situação parecia vacilar para uma cena de pancadaria quando o rapaz se chegou à frente, levantou os braços e assumiu a palavra. À medida que a animosidade esfriava, no meio das indecisões, os guardas acabaram por abandonar o local, levando o rapaz para a esquadra. Alguns amigos seguiram-nos e a multidão dispersou logo de seguida.
Saraiva fez mergulhar a filha num redemoinho de perguntas que culminaram com um aviso sério, no sentido de ela perceber que o sistema político vigente não admitia devaneios criadores de instabilidade social. Ritinha lá se foi desculpando que não iniciara a conversa e não sabia quem era o tal orador misterioso. Miguel confirmou, perante o olhar piedoso da sua princesa.
Ao chegaram ao acampamento dividiram-se pelas carroças. Miguel, antes de ir para o dormitório, decidiu fazer uma pequena caminhada para distrair a tristeza. As ideias fluíam-lhe numa amargura latente, aluído pelas incoerências de Ritinha. Certos dias, ela parecia disposta a aceitar o seu amor, enrodilhando-o em ilusões ténues; noutros dias, ignorava por completo a sua existência. Ocasionalmente e de forma sub-reptícia, procurava em desespero o amor de outros homens que nunca haveriam de lhe reconhecer o seu devido valor. Miguel foi sentar-se no muro da ria e ficou a contar algumas mágoas às águas que passavam. Penitenciou-se por muitas coisas que lhe aconteceram nos últimos anos e, entre as lágrimas, chegou a desejar nunca a ter conhecido. Apercebendo-se da sua presença, Ritinha aproximou-se para lhe agradecer a mentira que a livrara de alguns açoites. Porém, ao notá-lo infeliz, sentou-se ao seu lado e perguntou-lhe o que tinha acontecido. Miguel esfregou a tristeza, ajeitou a cara e garantiu que estava tudo bem. Lembrou-se depois de dizer que já andava há muito tempo naquela vida e que estava com saudades de casa.
– De Coimbra? O meu pai disse que, mais ou menos daqui por um mês, vai lá passar. Sempre poderás matar as saudades, ou até quem sabe ficar… – respondeu Ritinha, não completando a sentença por uma centelha de pena que se acendeu no seu coração.
– Talvez seja o milhor – confirmou Miguel, sem tirar os olhos da ria.