Decorreram sete anos de amor adiado desde que Miguel se tinha juntado ao circo. Entretanto, pelas terras por onde passaram, alguns pretendentes afeiçoaram-se a Ritinha, já feita mulher. Saraiva chegou mesmo a ter o casamento acertado com um vinhateiro da Régua. Porém, descobriu ainda a tempo que o pretendente já era casado e apenas queria a rapariga como concubina.
Ritinha viu chegar os vinte e cinco anos de vida num dia de esperanças proteladas. Não encontrava forma de se livrar daquela subsistência, de vila em cidade, à espera de um príncipe cada vez mais retardatário. Remediava-se apenas ao consolar as mágoas com Miguel, sem nunca lhe inviabilizar os sonhos e as expetativas, mas oferecendo-lhe pouco mais do que sorrisos dispersos.
Rui manteve por muito tempo uma desconfiança fria e calculista sobre o rapaz, mas acabou por se afeiçoar à sua presença. Para Saraiva, o trabalho realizado por Miguel estava a ser um préstimo significativo, embora não o admitisse. Com as receitas amealhadas prometeu a Ana que desceriam pelo litoral até Lisboa e por lá haveriam de arranjar habitação. Pretendia deixar para os filhos a possibilidade de enveredarem por outras vidas, famílias e trabalhos.
O circo Caricatus chegou a Aveiro nos primeiros dias de maio. Quase tudo se mantinha igual, à exceção de pequenos artefactos decorativos que iam sendo acrescentados para representar a torre longínqua e o palácio real. O acampamento ficou num jardim que ficava junto à ria, perto de algumas palmeiras suspeitas com vista privilegiada sobre a cidade. Saraiva encarregou o filho da vigia e foi dar uma volta com a esposa e a filha. Visitaram o mercado do peixe, tornearam as ruas estreitas e seguiram em direção à Sé. Entretanto, ficaram a saber que o Partido Comunista iria fazer uma ação de campanha pelos direitos dos trabalhadores que se dedicavam à extração do sal. Os murmúrios de insatisfação deambulavam pela cidade como a ria pelos seus canais. A consternação social pelos atrasos salariais fazia adivinhar uma sessão bastante concorrida.