À sua maneira, Miguel percebera. Imaginou que Hércules trancara a Ritinha numa torre longínqua e, para que ele a pudesse resgatar, teria primeiro de estar sujeito a muito trabalho. Depois, pela sua vontade e merecimento, poderiam ficar juntos e felizes num lugar chamado sempre.
– Que seja o que tiver de ser! Vou falar com o pai – respondeu Miguel, rodopiando as mãos na vassoura, extasiado pela vontade de a ver sorrir numa vida conjunta.
– Admiro-te a coragem e a determinação, meu amigo. Talvez devêssemos ser todos assim e corrermos atrás da nossa querença, independentemente do que possa acontecer. Afinal, esta é uma vida de desafios e sacrifícios. Bem, digo-te mais se tu tiveres coragem para abandonar uma vida certa atrás do teu sonho, talvez também eu faça as minhas malas e siga para Lisboa. Amanhã é o dia! Que dizes, temos acordo?
– Isso não sei, não conheço a sua vida nem ao que vai – respondeu Miguel.
– Vou tratar de números – replicou o professor.
– Bem, antes tratar de números do que de letras. Parece-me bem, eu vou atrás da minha princesa e você vá lá atrás dos seus números – retornou Miguel, num sorriso sobranceiro, por lhe parecer que a sua demanda era mais interessante e proveitosa.
Miguel aceitou o desafio e despediram-se com um aperto de mão. Miguel saiu do trabalho, jantou e foi assistir mais uma vez ao espetáculo. Mantendo a rotina, Ritinha apareceu junto do público no final da encenação e foi sentar-se imediatamente atrás de Miguel, na segunda fila. Ele viu-a chegar, num vestido negro com círculos brancos, mas apenas teve pejo para a olhar de soslaio. A história terminou logo depois e, no meio das palmas, Miguel escutou pela primeira vez a sua voz angelical:
– Como te chamas?
Ele não sabia o que dizer ou fazer, mesclando a vontade de a encarar com a vergonha de o fazer, tremelicando pelo seu atrevimento. Sem se virar, Miguel revelou o seu nome num tom quase inaudível.
– E o que fazes? – replicou ela.
À medida que o seu coração batia desenfreadamente, Miguel voltou-se e, perdendo-se na profundidade do seu olhar esverdeado, sem reparos ou tropeções, disse-lhe:
– Trabalho na univisidade.
Ela abriu um sorriso e, sem desviar o olhar, revelou que o seu nome era Rita, mas que todos na família lhe chamavam Ritinha. Logo de seguida, ao notar que o público se estava a dispersar, Ritinha levantou-se e foi para trás das cortinas, multiplicando sonhos e esperanças, agradabilíssima pelo encontro. Não se despediu dele, por achar desnecessário e estimulante. Miguel estava estupefacto e não sabia o que fazer.