Sombras de Silêncio #162

Miguel sorriu, reconhecendo a legitimidade. Porém, definhou em receio ao recordar-se do encontro violento com o irmão dela. Pensou depois em pedir ao professor para lá ir com ele, mas não teve coragem para o fazer.

– Não sei que faça! – exclamou Miguel, taciturno.

– Eu não acho que seja boa ideia ires daqui para Condeixa-a-Nova só para a veres por um dia. E depois, que irás fazer? Vais andar com a trouxa às costas atrás dela? Se gostas dela e achas que é rapariga de fazer vida, penso que… bem, como o pai não te conhece, o melhor talvez seja apareceres com uma intenção camuflada, que não levante desconfianças. Pedindo trabalho, por exemplo. E depois, com o tempo, talvez consigas agradar ao pai e confirmar se ela te contenta. É claro que assim terias que deixar a vida que tens aqui. Melhor, se quiseres, podes lá ir experimentar por uma semana, mas arriscas-te a ser um saltimbanco.

– E andar com eles de um lado para o outro? – perguntou Miguel, parecendo cético, mas estando de facto agradado com ideia.

– É uma decisão difícil! Nem sabes como eu te compreendo!

– Como assim? O doutor também gosta de uma rapariga do circo?

– Não é nada disso! Tu tens aqui uma vida, dentro das tuas perspetivas, em que te sentes bem a fazer o que aprendeste a gostar. E eu nasci para fazer o que faço; esta é a minha casa. Ambos nos habituámos às nossas rotinas, cada um à sua maneira, conforme o que nos foi dado por Deus e pela nossa vontade. Porém, cada um de nós teve, nos últimos dias, um… chamamento para sair daqui e ir à procura de um amor – disse o professor, apontando para Miguel – e de um desafio apaixonante – concluiu, apontando para si.

Miguel pouco reteve do discurso do professor e largou apenas um sorriso.

– Tu gostas de estar aqui, certo? – continuou o professor António.

– Gosto muito, senhor doutor. Todos os dias agradeço a Nossa Senhora.

– Muito bem. O louvor a Deus nunca fez mal a ninguém, desde o mendigo ao doutor. Contudo, também gostarias de ficar com ela. Certo?

– Certíssimo!

– Eu também me sinto aliciado a seguir outra vida, quiçá mais relevante e numa posição onde as minhas ideias pudessem chegar mais longe. O que temos de decidir é se estamos dispostos a abdicar disto para irmos atrás de um sonho, que poderá tornar-se num enorme desapontamento. Percebes?

Sombras de Silêncio #162

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