Sombras de Silêncio #16

Carlos e Joana foram inicialmente morar para a quinta dos pais dele: Manuel e Joaquina Fernandes. Na quinta viviam ainda Arnaldo, irmão de Carlos, Alcina, sua esposa, e o filho de ambos, Simão. Manuel forçara Arnaldo a casar-se com Cina, como preferia ser tratada, por esta ter ficado grávida. «Se serviu para uma coisa, também tem de servir para o resto!», escutou Arnaldo do pai, durante a sua tentativa frustrada de fuga ao futuro. Carlos e Joana permaneceram na quinta durante um ano. Carlos continuava a trabalhar na Escola Prática de Cavalaria em Santarém, onde a sua medalha prometia abrir portas de progressão na carreira. Porém, tratava-se de um espaço demasiado obtuso para as suas ambições.

Numa ida à capital, Carlos decidiu cobrar a dívida ao governador de Cabinda e os dois acertaram o aluguer da casa desabitada. No mês seguinte, Carlos e Joana mudaram as armas, as bagagens e a esperança nos dias a haver para Lisboa. O serviço que Carlos desempenhava em Santarém também foi transferido para o Regimento de Artilharia 1, em Campolide. As recomendações militares chegaram ainda antes do sargento. Carlos ficou responsável pela manutenção e segurança das peças de artilharia. A responsabilidade era grande, assim como a sua vontade em mostrar serviço. Dada a instabilidade que se vivia nas forças armadas, o seu capitão considerou que seria boa ideia entregar tal responsabilidade a alguém que não tivesse amizades ou ligações suspeitas.

O apartamento ficava num segundo andar de um prédio situado no Rossio. Era composto por uma cozinha, latrina e dois quartos, interligados por um corredor apertado onde conviviam um espelho opaco e algumas peças de cerâmica. Não era uma casa de sonho, mas servia as necessidades imediatas do jovem casal. Carlos e Joana reformularam a louçaria, adquiriram alguns tapetes para cobrir o soalho desgastado e envernizaram a madeira das janelas.

A vida em Lisboa corria mais célere do que em qualquer outra parte do reino. Havia sempre algo para fazer ou assistir. Como não conheciam mais alguém, à medida que o salário ia sobrando aos meses e às obrigações, imiscuíam-se de soslaio e em solitude na vida social lisboeta.  Assistiam a peças teatrais, pasmavam com as operetas no São Carlos, vibravam com as corridas no hipódromo e davam frequentes passeios pela zona ribeirinha, ansiando pelos convites para festas mais restritas. A cidade fervilhava de interesses culturais e os dois sentiam-se fascinados pela possibilidade de imitarem a vida da sociedade burguesa. A elegância de Lisboa olvidava-lhes o passado remendado, o futuro nascia sorridente a cada dia e o tempo fluiu por boas memórias durante os meses seguintes.

Sombras de Silêncio #16

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