Sombras de Silêncio #159

Miguel desprendera-se por completo da encenação e mirava-a como se tudo à volta tivesse deixado de existir, indagando sobre qual seria o seu nome. Sorria ao vê-la sorrir e, se lhe dessem de comer e beber, imaginava-se capaz de passar o resto da vida a admirá-la. Porém, ela notou-o. Embasbacado, Miguel revirou o olhar para o chão e corou de vergonha. Depois, Miguel passou a mirá-la sorrateiramente, esperando que ela não o coibisse de agraciar os sentidos e a imaginação com tanta beleza. Ela foi-se refugiando na sua timidez e desviou o olhar para a história. Todavia, já perto do final, ela mirou-o com delonga e esboçou um sorriso acanhado. Miguel sentiu o toque dos anjos no seu olhar. Foi um momento que lhe valeu por uma vida.

Com o final da apresentação e enquanto Hércules, Sibela e Enormus estavam no centro do palco improvisado a agradecer os aplausos, ela dirigiu-lhe o olhar pela última vez e saiu do público, retornando às carruagens. Miguel ficou atento ao que não conseguia ver por detrás das cortinas, sorrindo, deliciado pela sorte que tivera naquela noite. Retornou a si quando notou a presença de Enormus, especado à sua frente, com um chapéu estendido à espera de receber algum dinheiro pelo espetáculo. Miguel, não percebendo as suas intenções, pensou que ele lhe estava a oferecer alguma coisa e meteu a mão no chapéu para a tirar. De imediato, o gigante deitou-lhe a mão ao pulso e apertou com força, provocando-lhe uma dor lancinante.

 – És estúpido ou estás a fazer-te de espertinho? – perguntou Enormus, enquanto Miguel se ia contorcendo com a dor.

Depois de libertado e de lhe terem explicado o funcionamento daqueles assuntos, Miguel tirou dez tostões do bolso e deitou-os para o chapéu, perante o olhar zangado do gigante. No caminho para casa, o incidente foi rapidamente esquecido, enquanto a visão daquela princesa lhe dava ânimo para saltitar pelas ruas da saudade.

Sombras de Silêncio #159

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