Sombras de Silêncio #158

Quando Hércules acabou de falar, já os braços das pessoas, incluindo Miguel, apontavam para trás do aventureiro, que manteve o sentido do passo até embater contra um sujeito que era, com mais ou menos pormenores, o gigante Enormus. Este agarrou-o de imediato e levantou-o no ar, enquanto o aventureiro ia gritando por ajuda. O gigante andava de um lado para o outro sobre a passadeira vermelha, enquanto Hércules esperneava os risos do público.

 – Poderemos enfim ficar juntos para sempre, bebendo o doce mel do nosso amor – escutou-se, por detrás das cortinas.

Hércules esperneou ainda mais e largou gritos de desespero, mas Enormus manteve-o preso nos seus braços. Apareceu depois na passadeira a princesa Sibela, saltitando de alegria em tristeza, com as pernas muito mais compridas que o tronco, a cara descaída para o lado direito e o pescoço empolado por um tumor de nascença. O gigante colocou então Hércules no chão e depositou as mãos sobre os seus ombros. Sibela foi junto dele e, agachando-se, deu-lhe um beijo demorado. Hércules, logo que foi libertado do ósculo ardente, começou a verbalizar queixumes como um desalmado. Mas a princesa não se importou, pegou-lhe pelo braço e arrastou-o pela passadeira. No centro, Enormus batia palmas e incitava os espetadores a fazerem o mesmo, dando gargalhadas num tom grave e desconcertante.

Enquanto Sibela ia salientando a satisfação por ter reencontrado o seu príncipe, Miguel notou que alguém surgiu por detrás das cortinas e por lá deixou ficar o olhar, tentando descortinar o que se passaria a seguir naquela história de princesas e reinos encantados, semelhante às que a mãe lhe contava. A sombra fez-se depois rapariga, caminhou ao longo da cortina e misturou-se com o público. Miguel ficou obcecado com ela e não se importou mais com o infortúnio de Hércules. Nunca na sua vida, real ou imaginada, vira uma rapariga que achasse tão bonita. Tinha os cabelos louros encaracolados, que baloiçavam à vontade da brisa que passava, num rosto fino e alisado pela ternura, de olhos meigos e esverdeados. Vestia uma saia cor-de-mar que lhe encobria os sapatos e um casaco negro que se sobrepunha à blusa branca, de onde saíam vários farfalhos como se fossem rosas brancas. O seu olhar estava fixo no que se passava no palco, esboçando pequenos sorrisos à história.

Sombras de Silêncio #158

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