Em meados de abril, antes do segundo aniversário da sua chegada a Coimbra, esvoaçaram pela cidade alguns panfletos que anunciavam uma semana de espetáculos de um circo familiar que andava em digressão pelo país. As duas carruagens estacionaram no parque de Santa Cruz. Miguel nunca tinha assistido a um espetáculo circense e, no final de uma sexta-feira de trabalho, acossado pela curiosidade, foi até ao jardim. Lá chegado, rompeu pelo aglomerado de pessoas até à primeira fila, onde assentou a sua bisbilhotice. À sua frente estavam as duas carruagens entrelaçadas, tapadas por toldos esbranquiçados; no topo havia uma tarja que nomeava a empresa do entretenimento. Miguel, que reaprendera as letras com o auxílio de Antero, estava a fazer um esforço por juntá-las. Porém, ficou a meio da empreitada, pois alguém ao seu lado comentou «Circus Caricatus».
De cada lado das carruagens estava um castiçal de ferro sem ornamentos, sobre o qual repousava uma vela que iluminava ao lusco-fusco o espaço envolvente. No chão, estendida num quadrado de histórias, estava uma carpete vermelha pintalgava com alguma sujidade. No meio da algazarra que se foi levantando durante a espera, por vezes surgiam rostos distintos por detrás das cortinas que tapavam a interseção das carruagens.
Após cerca de meia hora, entrou em palco Hércules da Estrela. Era um homem de baixa estatura, com uma malha branca de ferro que quase lhe duplicava os braços e que arrastava pelo chão, um capacete metalizado enfiado até ao pescoço, um escudo minúsculo e uma adaga torta. Hércules colocou-se no centro do tapete e discorreu a sua história sobre um reino longínquo de Coimbra, mas próximo da imaginação, chamado Menfo. Os menfeus gostavam de simplificar a vida. O seu rei, de seu nome Cinquenta e Um, por não ter um descendente masculino, mandara aprisionar a sua única filha Sibela numa torre. O homem que a resgatasse haveria de tornar-se no rei Cinquenta e Dois. Após viajar por terra, mar e ar, Hércules conseguiu chegar à torre encantada, com mais de trinta metros de altura e apenas uma janela no cimo. Após algumas semanas de frustrações, caiu um nevão que teria levado os mais audazes a fugir. Porém, Hércules aproveitou para fazer uma escada de gelo e depois de dois dias de trabalho árduo conseguiu entrar pela janela. Encontrou então uma cama que ocupava praticamente todo o espaço, envolvida por um manto branco. Hércules desviou o véu e encontrou a «mulher mais feia do mundo». Tinha o corpo desproporcional, cabelos cor de velha e uma cara disforme cheia de rugas. Assustado, Hércules tentou fugir, mas deparou-se com Enormus. Como não havia roupa que lhe servisse, Enormus usava um toldo, atando uma corda à cintura. Tinha ainda um cajado tão grande como ele, onde ia talhando o nome das pessoas a quem tirava a vida. Com muita destreza, Hércules conseguiu passar-lhe por baixo das pernas e fugir. Desde esse dia, o herói escondera-se de histórias, reinos e princesas.