O professor deixou ficar um sorriso de indefinição e saiu. Miguel apenas lamentou que ele não tivesse sido o seu professor; por certo, já saberia ler o mundo inteiro. Apesar do tom sério, parecia-lhe uma pessoa extraordinariamente bondosa e capaz. Lembrou-se depois de pedir a Antero para lhe explicar o horário. Num primeiro momento, Miguel teve dificuldades em associar as horas aos momentos do dia. Engendrou depois uma mnemónica adequada com a ajuda do funcionário. Retirou o relógio do bolso e pediu-lhe que repetisse as instruções de acordo com a posição dos ponteiros. Embora Antero achasse a ideia um pouco estranha, Miguel assumiu aquela como sendo uma das melhores que alguma vez tivera. Depois das recomendações e dos esclarecimentos, Miguel deambulou a fome pelas ruas, refazendo o caminho para a sua nova casa. Zé Mingos abriu-lhe a porta e ficou, de sandes na mão, na soleira a tentar conhecer o seu novo inquilino. Miguel olhava de forma tão compenetrada para o pão que ele sentiu a obrigação de lho dar. O rapaz aceitou sem pestanejar e recontou como é que ali tinha chegado e como veio a conhecer com o professor António.
A casa era habitada, no segundo e terceiro piso, por estudantes da universidade. Zé Mingos morava no rés-do-chão. Ao todo eram seis rapazes, todos vindos de sítios diferentes, tão interessados em aproveitar a vida académica como preocupados na obtenção de um canudo que lhes outorgasse prosperidade. Passavam pouco tempo lá por casa, de tal modo que Miguel não chegou a conhecer o nome de todos. Refastelado sobre a cama, com a fome disfarçada, Miguel pôs-se depois a espreitar através da janela, acabando por levantar-se e acompanhar o crepúsculo da luz no horizonte visível do seu quarto, ajoelhando-se depois para agradecer a Nossa Senhora pela ajuda que lhe tinha prestado naquele dia. Afinal, contra todos os diabos do mundo, tinha conseguido encontrar comida, casa e trabalho. Desejou também que os céus guardassem um bom sítio para o doutor António, mesmo sendo professor.