Para Miguel, do entendimento económico que tinha do mundo, os pertences apenas poderiam ser dados ou vendidos. Uma outra dúvida que lhe ocorreu prendia-se com o dinheiro, já que os tinha ouvido falar em vários tipos. Conhecia alguns tostões que a mãe lhe mostrara, mas nunca vira os escudos, nem sabia qual era a relação entre os dois. Todavia, não queria parecer ignorante e decidiu que mais tarde esclareceria as suas dúvidas. O professor abriu a carteira e de lá tirou duas notas, acertando o futuro próximo de Miguel com um aperto de mão.
À saída dos homens, Miguel aproveitou para trocar de roupa. Quando desceu a escadaria, de vida lavada e numa fatiota elegante, já não parecia o mesmo que ali tinha chegado. Miguel e o professor voltaram para a universidade e o rapaz foi apresentado ao chefe do pessoal, tendo em vista o preenchimento de uma vaga de trabalho que envolvia as limpezas, os recados e os pequenos serviços de manutenção na Faculdade de Direito. O chefe do pessoal chamava-se Antero e há muito tempo que ali trabalhava. A conversa entre os três foi curta, também porque o professor tinha de ir lecionar uma aula. Miguel ficou à guarda do seu novo responsável, que amavelmente tratou de lhe apresentar o edifício e as suas novas obrigações. Miguel passou o resto do dia atrás de Antero, visitando as salas e tentando decorar o máximo que a sua atenção permitia. Porém, acabou por esquecer o que ia sendo sobreposto e confundindo os nomes. Esclareceu também as diversas dúvidas que iam assaltando Antero sobre o seu passado. Miguel concluiu que teve muita sorte em ter encontrado alguém tão bondoso como o professor. Já depois de os estudantes terem abandonado o edifício, o rapaz manteve-se junto de Antero à espera do seu salvador pessoal, que chegou apressado já depois das seis da tarde. Miguel aproximou-se dele e quis agradecer a ajuda, mas o professor quase que nem o permitiu:
– Isso fica para melhor altura. Vai lá para casa e aparece cá amanhã pelas oito da matina. Já falei com as pessoas da cantina e a partir de amanhã podes lá ir almoçar e jantar. Depois, o senhor Antero há de dizer-te onde é. Conto que não faças nenhuma parvoíce. Olha que te estendi uma mão, mas posso retirá-la a qualquer momento! Agora tenho de ir, que o comboio não espera.
– O senhor doutor deveria ser político – disse Antero.