Carlos e Joana Fernandes alugaram uma casa em Lisboa no ano de 1905. Carlos, de estatura média, tronco forte, cabelo negro abundante e rosto severo, era um sargento de artilharia do exército. Nascera e crescera numa quinta próxima de Vila Nova da Rainha, uma aldeia confidente do Tejo. O ponto de viragem na sua vida ocorreu quando tinha vinte e três anos e servia em Angola. O sargento tinha viajado até à casa do governador do distrito de Cabinda em missão confidencial. Enquanto lá estava estalou uma revolta entre os trabalhadores da quinta, que exigiam mais direitos. Carlos conseguiu proteger a família do governador, conquistando uma medalha e alguma visibilidade entre os oficiais. Mais tarde, haveria de ganhar a possibilidade de mudar de vida, graças à eterna gratidão do governador, que possuía uma casa desabitada no coração de Lisboa.
Regressado da colónia, Carlos continuou a servir, mais o patriotismo do que o reino. Encontrou depois alguém para partilhar o quotidiano. Joana escondia a beleza por detrás de andrajos geracionais. Possuía longos cabelos loiros que lhe enfeitavam o espírito tímido. A estatura ficava a dever alguns centímetros ao militar e as mãos estavam calejadas pela maresia. A sua voz era gentil e os olhos eram de um azul plácido. Filha de um pescador da margem sul do Tejo, acompanhava frequentemente o pai nas suas viagens à capital. Durante uma escapadela pelo jardim da Estrela encontrou Carlos, que aproveitava alguns domingos para se apaixonar pela vida de Lisboa. A postura proeminente influiu em Joana o conforto de uma vida estável e os dois foram trocando desejos e promessas com o olhar.
Carlos ficou de imediato interessado por aquela menina tímida e insegura. Ele queria muito endereçar um rumo à sua vida e ela gostaria sobretudo que o cheiro intenso a peixe a largasse de vez. Combinaram novos encontros numa cadência insuspeita. O acaso encontrara-os e a vontade enlevou-os num compromisso de amor. A diferença de cinco anos não foi empecilho para o envolvimento. Após dois meses de namoro, casaram em agosto de 1904.
