Sombras de Silêncio #134

– Acorda! – gritou Arnaldo.

– Tu prometeste que… não lhe farias mal – soluçou Joana, com a cara desnudada em lágrimas e os queixos sobre os joelhos, encostada ao guarda-roupa.

Arnaldo não lhe respondeu. Nervoso, saiu do quarto e desceu até à adega para desanuviar as preocupações, enquanto idealizava cenários que o desresponsabilizassem pelo incidente, pensando que o rapaz pudesse estar morto. Joana vestiu-se à pressa e foi abraçar o filho que permanecia sem sentidos, com o sangue a escorrer-lhe do nariz e o cabelo empastado pelo corte provocado pelo embate. Ela levantou-lhe a cabeça e acomodou-o no seu regaço, de olhar lacrimoso enlevado, pedindo a Nossa Senhora que o livrasse da morte a troco de mundos e fundos de abnegação sincera a Deus. Considerou depois que o acidente seria um castigo pela lascívia. Desejou então por um momento o regresso de Carlos, mas a vergonha varreu-lhe a vontade frívola.

Miguel despertou pouco depois, azoado e com lembranças difusas do que tinha acontecido. Joana sentiu uma alegria tremenda e agradeceu aos céus pela benesse. Chegara a prometer uma nova viagem a Fátima no caso de o filho não ficar a padecer de alguma maleita. À medida que as recordações encenavam a violência do encontro, Miguel amedrontou-se e ficou ofegante, tremelicando de dores. Porém, mostrou-se resoluto na vontade de sair dali, nem que fosse para debaixo de uma ponte. A mãe anuiu, beijando-lhe a face por diversas vezes e assegurou-lhe que iria pensar nisso. Miguel recordou de seguida as formas desnudadas da mãe, perdida num chão sem vergonha. Levantou-se depois e afastou-se dela em silêncio. Desviando o olhar, disse-lhe que partiria de madrugada, sem atrasos ou dúvidas, até onde os pés o levassem ou o comboio o deixasse ir. Joana ripostou que tal não poderia acontecer, alegando que precisariam de mais tempo para organizar a partida. Sucessivamente, ela foi disparando perguntas sobre como haveriam de comer, dormir e viver. Prometeu-lhe depois que haveria de encontrar alguém que escrevesse uma carta aos seus avós maternos, do Barreiro, para que os viessem buscar com a maior brevidade possível. No final, Joana adiantou que ainda tinha esperanças que Arnaldo se corrigisse.

Sombras de Silêncio #134

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