Miguel, pelo esmiuçar da história, desconfiou de que aquele seria o mesmo homem que ele conhecera alguns anos antes. Apeteceu-lhe rir desalmadamente, mas decidiu resguardar-se das perguntas indiscretas.
– Ele era como os de Vila Meã: o que dizem hoje já não dizem amanhã! – adiantou Mariana.
– E mais? – perguntou Tiago, vibrando de curiosidade.
– Mais nada! – respondeu de imediato a avó – A história já acabou.
– Oh, conta outra, vá lá! – replicou o neto.
A dona Maria não conseguiu resistir e recontou a história da Santa do Talegre, uma alegada aparição milagrosa que envolveu, entre outras circunstâncias inusitadas, um chorrilho de infidelidades, o aparecimento de uma santa atrás de uma rocha e a construção de um santuário improvisado que acabou por não resistir ao tempo e ao povo.
– E você, não tem histórias engraçadas? – perguntou Tiago, direcionando a sua inquietude para Miguel.
O pastor apenas sorriu, ainda perdido em memórias e divagações.
– Chega de perguntas, não sejas chato – ordenou a mãe, absorvendo o desassossego da criança.
O trabalho prolongou-se arduamente até ao meio-dia. Momentos antes, a dona Maria já tinha ido preparar o almoço. Miguel arrastou as dores pelo trabalho sem nunca se queixar. Quando Luís chegou no seu 2CV, eles já estavam a preparar-se para comer. Luís descansou então a alma apoquentada do pastor, assegurando-lhe que o relógio estava em boas mãos e sentou-se à mesa. Depois de algum esforço infrutífero, Tiago conseguiu convencer os pais que à tarde iria com Miguel apascentar o rebanho, usando como argumento a pertinência que teria em aprender as lides da pastorícia, ainda que os pais lhe idealizassem outro fado. De imediato, também Hugo se juntou na vontade em acompanhar o pastor, advertindo as diversas valências da ajuda que poderia prestar.