– Está tudo resolvido, vamos lá à janta antes que arrefeça – tentou concluir Joana, pegando de seguida num garfo e espetando-o numa batata da travessa.
Arnaldo encheu novamente o copo, sem desviar os olhos de Miguel. Deixou que ele pegasse no garfo para lhe travar as intenções no último momento.
– Ainda não mereces comer à minha mesa.
Miguel, atafulhado de sentimentos desiguais, assustou-se e soergueu os olhos para o tio, esboçando um sorriso de medo.
– Vai mas é arreganhar os dentes para quem te talhou as orelhas. Se quiseres comer tens ali a vienda do porco – concluiu Arnaldo, apontando para o balde onde estavam os restos alimentícios para o porco, numa água da lavagem escurecida.
Miguel não ousou dizer ou fazer o que quer que fosse e fechou lentamente o sorriso.
– Está a brincar, cunhado? – perguntou-lhe Joana.
– A brincar? Por acaso tenho cara de palhaço? Ele não quis levar a dele avante, desrespeitando-me na minha própria casa? Então, agora, p’raqui viver tem de fazer o que eu mandar, enquanto eu quiser! Ou então que se mande à estrada, p’ra mim é igual. Anda! Sai da minha mesa, quero ver-te a comer da vienda! Ou queres que ta meta na boca?
Miguel ficou assustado com as ameaças do tio. Com a vontade mortiça, levantou-se depois e recuou dois passos para junto do balde. Trocou o olhar entre a mãe, com as lágrimas a correrem-lhe pela face, e o tio, com pingos de vinho a caírem-lhe dos queixos. Cina e Simão, que já anteviam alguma retração de Arnaldo, estavam boquiabertos com as suas atitudes.
– Mexe-te! A vienda ou a estrada? – retomou Arnaldo, levantando-se subitamente e aproximando-se do sobrinho, encarando-o em fúria e escarrando depois no balde.
Enojado, Miguel agachou-se e espreitou para o balde, retirando depois uma batatita e metendo-a à boca, de olhos fechados. Mastigou o medo e a raiva, com os olhos a latejaram tristezas. Quando o viu regressar à mesa, Miguel tentou fugir para o quarto, mas quedou-se à porta com o berro do tio:
– Então?! Vais-te embora sem agradecer o jantar e nem pedes permissão? És mesmo uma ovelha ranhosa! Mostra-me respeito! Ou queres que te volte a ensinar a regra do bom sofrer?
– Não! – interrompeu Joana, de olhos lacrimosos.
– Cala-te! Ou também queres comer da vienda? – ameaçou Arnaldo.