Sombras de Silêncio #122

A vidente fechou depois os olhos e disse na direção de Arnaldo, num tom grave e doloroso:

– Meu filho, fui-me embora, sem querer nem saber, e nunca te disse uma coisa.

– Diga-me agora, minha rica mãezinha – instigou Arnaldo.

– Desculpa, pensava que ela não era mulher para ti, mas foi o melhor que te poderia ter acontecido.

Cina começou logo a chorar, enquanto Arnaldo apenas deixou escapar duas ou três lágrimas. Disse depois, entre soluços, que lhe perdoava tudo o que ela dissera ou fizera e que sentia uma mágoa enorme por nunca lhe ter dito que a amava muito, como se amam os dias felizes e as vidas inteiras.

– E que mais? – perguntou-lhe Cina, ainda em prantos de felicidade.

– Para ficar em paz com a minha morte, preciso que alguém vá a Fátima. Deverá rezar à Virgem Maria e acender uma vela na Cova da Iria em meu nome, para que Deus possa ter piedade de mim e me leve desta terra de ninguém. Vivo num silêncio vazio. Uma vida com pouco e uma morte para nada.

Logo depois, a vidente retornou a si e perguntou sobre o que tinha acontecido. Disse-lhes então que a vontade do espírito deveria ser cumprida. Recomendou-lhes também que queimassem algumas folhas de carqueja nas várias partes da casa e rezassem o Pai-Nosso e a Ave-Maria. Adiantou ainda que o melhor dia para a peregrinação a Fátima seria o próximo 13 de maio, no aniversário das aparições, mas eles já conheciam o facto. Chegaram subitamente a um consenso sobre a viagem, faltando apenas definir os intervenientes. Arnaldo perguntou depois qual seria a melhor forma de sarar o pai do quisto que lhe consumia a vida, ao que ela respondeu que ele deveria tomar todos os dias um chá de barbas de milho, rezar a Deus em penitência e recorrer a um médico. Talvez assim a ciência conseguisse iludir os preceitos do destino. Madame Bexiga concluiu depois que lhe parecia que os assuntos estavam resolvidos e esperou que alguém lhe perguntasse pelo pagamento.

– Deus Nosso Senhor deu-me este dom, mas não foi p’ra me aproveitar das pessoas. Assim vocês devem dar o que tiverem na vontade. Os últimos que saíram daqui deixaram trezentos réis e foram com a paz do Senhor. Cada um deve semear o seu rego, sem pensar em colher mais que o seu trevo – respondeu Madame Bexiga.

Sombras de Silêncio #122

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