Sombras de Silêncio #121

Mal os encarou, Madame Bexiga largou a galinha, que ficou a espernear a vida que se esgueirava. Miguel ficou um pouco perturbado com a angústia da galinha e desviou o olhar. Adivinhando ao que vinham, a vidente convidou-os para entrarem na sua casa, que apenas possuía uma divisão. Os restos de animais e plantas tornavam o ar era fétido e desagradável. Tudo aparentava ser velho, sujo e estava caoticamente distribuído pelo espaço. Ela mandou-os sentar à volta da mesa, que ocupava o espaço central e pediu-lhes para darem as mãos entre si.

– Sinto que a vida não vos corre bem. Escutaram alguns barulhos estranhos lá em casa? – inquiriu Madame Bexiga.

– Eu tenho ouvisto… ainda ontem, quando vim cá fora, pareceu-me que ouvi alguém a chamar, mas não vi ninguém e depois voltei p’ra cama. O que será? O diabo?

– Alguém é, mas não deve ser o diabo. É alguém que vos quer falar. Nem imaginam quantos é que andam por aí pelos cantos da morte, sem encontrarem forma de sair daqui. Em silêncio, perdidos entre as sombras. Nem o céu nem o inferno os aceitam enquanto não resolverem o que deixaram na vida. São almas perdidas à espera da salvação! – replicou Madame Bexiga.

– Só se for a mãezinha. Antes de morrer, ela disse que tinha uma coisa p’ra me contar – adiantou Arnaldo, assustado.

– Está aqui mais alguém. Quem és tu? – estremeceu a vidente.

Seguiu-se depois um silêncio que amordaçou a consciência de todos a uma veemência à prova de qualquer indubitabilidade.

– Quem és tu? – repetiu Madame Bexiga, num tom ameaçador.

A vidente entrou depois em convulsões, esperneou como uma galinha e largou as mãos de Arnaldo e de Cina, que estavam ao seu lado. Depois, todos recolheram as mãos em expetativa, quebrando a ligação. Miguel estava assustadíssimo com as práticas da mulher, temendo que o próprio diabo estivesse para chegar. Madame Bexiga começou depois a espumar da boca e a reproduzir alguns sons estranhos, respirando como se tivesse asma para depois assobiar de forma estridente, como se fosse uma cobra. Todos vibraram e alguns deram um salto de medo.

Sombras de Silêncio #121

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