Sombras de Silêncio #117

De todas as aprendizagens houve algumas que Miguel jamais esqueceria, sobretudo aquelas que resultaram em suor ou lágrimas. Certo dia levou uma chapada do avô que lhe acertou na memória para o resto da vida; tinha andado aos pontapés às moreias de erva seca que se levantavam do chão e que lhe pareciam pequenos homens com más intenções, enterrados numa saia longa e de cabelos arrepiados. Outra revelia que lhe valeu uma coça ficou conhecida como a revolta dos feijoeiros. A mãe ensinara-lhe que todos os feijoeiros, assim que encontrassem uma estaca, começavam a envolvê-la pelo lado direito e cresciam até ao seu topo. Curioso, Miguel foi às escondidas desprender os feijoeiros e começou a enrodilhá-los pelo lado esquerdo. O tio apanhou-o na experiência e, despercebidamente, mandou-lhe um pontapé no rabo que o fez cair com a cara no chão. Apesar dos vitupérios e da saudade, Miguel sentia-se contente na nova família.

Cerca de um ano depois de ter chegado à quinta, Miguel foi agraciado com uma prenda que lhe encheu o coração de alegria. O avô acompanhou um amigo numa viagem de automóvel até Vila Franca de Xira. No regresso encontraram uma ovelhita que se tinha desprendido de algum rebanho e deambulava solitária entre as azinheiras, balindo de desnorte. Como era ainda pequenina, os homens apanharam-na com facilidade e Manuel conseguiu ganhar a sua propriedade. Ofereceu-a depois a Miguel, na condição de a tratar bem. Ele cuidou logo de lhe dar um nome, Estela. A brancura do seu pelo lembrava o brilho de uma estrela numa noite límpida de verão. As duas cabras e a ovelha passaram a estar à sua guarda e cuidado.

Sombras de Silêncio #117

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