De todas as aprendizagens houve algumas que Miguel jamais esqueceria, sobretudo aquelas que resultaram em suor ou lágrimas. Certo dia levou uma chapada do avô que lhe acertou na memória para o resto da vida; tinha andado aos pontapés às moreias de erva seca que se levantavam do chão e que lhe pareciam pequenos homens com más intenções, enterrados numa saia longa e de cabelos arrepiados. Outra revelia que lhe valeu uma coça ficou conhecida como a revolta dos feijoeiros. A mãe ensinara-lhe que todos os feijoeiros, assim que encontrassem uma estaca, começavam a envolvê-la pelo lado direito e cresciam até ao seu topo. Curioso, Miguel foi às escondidas desprender os feijoeiros e começou a enrodilhá-los pelo lado esquerdo. O tio apanhou-o na experiência e, despercebidamente, mandou-lhe um pontapé no rabo que o fez cair com a cara no chão. Apesar dos vitupérios e da saudade, Miguel sentia-se contente na nova família.
Cerca de um ano depois de ter chegado à quinta, Miguel foi agraciado com uma prenda que lhe encheu o coração de alegria. O avô acompanhou um amigo numa viagem de automóvel até Vila Franca de Xira. No regresso encontraram uma ovelhita que se tinha desprendido de algum rebanho e deambulava solitária entre as azinheiras, balindo de desnorte. Como era ainda pequenina, os homens apanharam-na com facilidade e Manuel conseguiu ganhar a sua propriedade. Ofereceu-a depois a Miguel, na condição de a tratar bem. Ele cuidou logo de lhe dar um nome, Estela. A brancura do seu pelo lembrava o brilho de uma estrela numa noite límpida de verão. As duas cabras e a ovelha passaram a estar à sua guarda e cuidado.