Sombras de Silêncio #11

Já a chuva desistira de cair quando Miguel palmilhou a distância até ao seu pequeno-almoço de broa e vinho. O trabalho não dispensava tais alimentos e desenganos. Logo depois, Mariana apareceu na cozinha e pediu-lhe para ajudar na sementeira das batatas. Como já não era expedito com a enxada, limitava-se a depositar as batatas na terra fria. A meio da manhã desceu-lhe uma dor pelas costas que o tomou refém, mas esforçou-se para parecer prestável e indispensável. Acompanhava, com particular interesse, as histórias de pessoas que nunca conheceu e que perfaziam as crónicas populares da região, sempre suscetíveis aos melhoramentos de quem os contava.

– O meu primo, que Deus o tenha, conseguia puxar o arado dos bois e lavrava sozinho um lameiro – gabou a dona Maria.

– Sozinho? Deveria ser um homem forte – devolveu Tiago, impressionado.

– Nem havia igual! E era também muito engraçado – adiantou Mariana.

– Bastava-lhe uma gaita e estava lançada a festa. Quando era miúda íamos todos os domingos até Vila Garcia e ficávamos lá pela noite dentro, cantando e dançando – confirmou a dona Maria.

Miguel também se vira invadido por memórias, porém distantes e difusas como um sol esquecido num dia de nevoeiro.

– Avó, que mais histórias conhece? – perguntou Tiago.

– Tantas, mas algumas não são próprias para os teus ouvidos.

– Conta, que eu tapo os ouvidos – devolveu Tiago, colocando os dedos entreabertos sobre as orelhas.

Mas a pudicícia não lhe permitia discriminar os pormenores da vida mundana do tio Albano, que chegou a ter sete namoradas; os encontros adúlteros da prima Sofia, que aproveitava o tempo em que ia para a serra com meia dúzia de cabras para se encontrar com Rafael num abrigo; as queixas secretas da prima Rosa em relação ao fraco desempenho sexual do marido ou as escapadelas do padre Fernando, antigo cónego da freguesia, entre algumas viúvas ansiosas por algum conforto pagão.

– É melhor não – replicou a avó –, antigamente havia muitos malucos; agora é que os tempos parecem estar mais sossegados. Mas se cá nos íamos amanhando com os nossos, aparecia por aqui cada um.

– Conta uma história de um desses malucos! – insistiu Tiago.

Sombras de Silêncio #11

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