Sombras de Silêncio #100

«Meu amor!

Espero que esta carta vos encontre de boa saúde! Escrevo-te das trincheiras e nos intervalos dos ataques dos alemães. Os homens vão-se aguentando, mas estão um pouco desanimados. Os franceses são simpáticos e ajudam-nos como podem. Viver nas trincheiras não é fácil e temos de estar sempre alerta. Tenho dormido muito mal, encostado à terra fria. Estou sempre a acordar com os gritos de alerta dos vigias ou com os tiros frequentes. Tenho saudades da nossa cama e de dormir tranquilamente ao teu lado. Esta guerra ainda está longe do seu fim, mas com a graça de Deus haveremos de vencer!

Como está o nosso rapaz? Espero que esteja tudo bem. Diz-lhe que, quando eu voltar para Portugal, irei tratar pessoalmente da sua educação e hei de arranjar maneira de encontrar um professor que vá aí à aldeia dar a instrução. O borra-botas do Figueiredo parece que anda a perseguir a nossa família. Primeiro foi o filho e agora é o pai que tem de o aturar. Ele é o tenente do meu pelotão; se fosse por ele, acho que os homens já tinham fugido em debandada.

Tenho pena que te vejas obrigada a tratar sozinha do cultivo da terra, mas é importante que o faças.

Está a amanhecer e é muito bonito ver o sol erguer-se na planície. Quando acabar esta campanha devo regressar. Talvez lá para o fim do ano.

Rezem por mim. Amo-te muito. Sempre teu.

Carlos Fernandes.»

Joana começara logo a chorar mal escutara a palavra “amor” e assim continuou durante a leitura, imaginando-o a escrever nalgum buraco medonho, ao som de tiros e bombas. Apesar da imensa saudade que ardia no seu peito, as palavras trouxeram-lhe algum conforto. Carlos estava vivo e lúcido; ela sabia de histórias antigas, que o marido lhe contara, de muitos homens que perdiam a cabeça na guerra e ficavam loucos, chegando a negar o próprio nome. Logo depois de acabar de ler a carta, António procurou alentar Joana, dizendo-lhe que tudo iria correr bem e que ela deveria rezar pelo marido a Nossa Senhora de Fátima.

– Não conheço essa senhora. Quem é? – perguntou Joana, enxugando as lágrimas.

– Não foi à missa no domingo? – perguntou António.

Sombras de Silêncio #100

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