Porto.

Porto

Para quem pertence à Natureza é difícil sentir-se em casa na cidade. Ao longo dos últimos três meses tenho procurado ambientar-me ao Porto, às suas idiossincrasias e a uma vida entre quatro paredes de urbanismo contrafeito, mas necessário. Durante o fim-de-semana, numa Várzea de costumes a que aprendi a chamar casa, as horas da madrugada são assinaladas por galos em crises de meia-idade que perderam o sentido galináceo da vida e deixaram de cantar apenas ao amanhecer. Durante a semana, num Porto noturno que passa os sentidos pelas brasas mas não chega a adormecer, as sirenes das ambulâncias rompem o ar com uma pronúncia impaciente. Enquanto os modos de vida se vão misturando, tão intrigado quão desconfiado, vou enganando a saudade e fazendo da consciência um lar.

AlaparFora do contexto de trabalho, falta o sorriso e o «bom dia» do desconhecido que passa. Pelas ruas a cheirar a restos, de rosto virado ao chão, as pessoas deambulam as suas existências apressadas em busca do amanhã confortável. Num primeiro momento estranha-se este toque impessoal e frio. A vida não espera por ninguém e se alguém se atrasar ao destino arrisca-se a perder o comboio da modernidade. Muitos passam pelos dias em modo remoto e quase sem o notarem, aceitando a rotina de ganhar dinheiro para comprarem coisas que na realidade talvez não precisem. Andando em solitário por entre a gente, enquanto se entra no metro e se sai do autocarro emerge um momento de clarividência fugaz em que se recordam os sonhos e se questiona o fado. Do outro lado, é a própria rotina que responde: “É a vida!”

Para lá desvirtudes citadinas genéricas, o Porto é também uma terra de gente afetuosa, sincera e despretensiosa. Sempre me fascinou esta arte nortenha de criar amizades. Conhece-se alguém no domingo e quando se chega ao sábado seguinte parece que já somos amigos há muito tempo, carago! Por vezes podem passar meses sem um avistamento, mas basta um sorriso e tudo se redescobre inalterado. Sem desprimor para os sulistas, é bom manter e criar amigos a Norte. Amigos de trazer por casa e que nos fazem sentir em casa com a sua simpatia, disponibilidade, generosidade e sinceridade.

Se a vida no Porto passa a correr é preciso ter preparação para a acompanhar. Literalmente. Sempre pensei que seria impraticável correr pelas ruas pejadas de pessoas, carros e semáforos da cidade. Como gosto de caminhar/correr em liberdade e solidão pela montanha, previa que estaria a emprestar a alma ao diabo apenas para reconfortar o corpo com algum cansaço. Surgiu então a oportunidade com a criação de um grupo de corrida na empresa e saí com os colegas para a estrada. Contornando o desconforto, acabou por se tornar num hábito que me permitiu conhecer melhor a cidade e em boa companhia. Quando dei por mim estava a sair sozinho para correr ao longo da marginal. E então, pela primeira vez, do alto da ponte D. Luís, admirando o Douro eterno e um Porto sentido numa paisagem engrandecida, pressenti que poderia habituar-me a esta cidade.

Clérigos

 

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