Para lá do geocaching

Capa - Lagoa dos CântarosOs clichés são comummente aplicados nos mais variados contextos e sujeitos. Aos poucos, estas atribuições vão conquistando a comunicação e facilitando o exagero. Por vezes lá se escuta que «O geocaching é mais do que um passatempo, é uma forma de estar na vida». Sinto alguma desconfiança sempre que escuto clichés, em particular os que terminam desta maneira. O geocaching é apenas um passatempo; quanto às formas de estar na vida, quaisquer que sejam, todas o são de forma intrínseca. Não obstante, através do geocaching e nos mais variados contextos, é possível vivenciar um conjunto de outras atividades que acabam por complementar o passatempo e enriquecer as experiências.

O geocaching não se reduz à descoberta de locais; muitas vezes acabamos por nos redescobrir, ou pelo menos aprendemos a gostar que coisas que não imaginávamos e redefinimos os nossos limites. Depois da curiosidade inicial na procura de recipientes, quais Indianas de um tempo perdido, o êxtase vai acalmando lentamente e somos introduzidos em outras atividades, mais ou menos relacionadas, que de outra forma poderíamos não experienciar. No princípio é a cache; depois, a imaginação é o limite.

Serra do Marão

Por exemplo, sempre torci o nariz a andar pendurado em cordas, mas lá chegou o momento em que para encontrar uma cache foi necessário fazer rapel. Apesar da expetativa e nervosismo iniciais, a experiência revelou-se fantástica! Experimentei a escalada através do geocaching e desde então ficou a vontade de repetir. O mesmo aconteceu com o canyoning; já sentia um apelo natural por fazer progressão em rio, mas sempre o realizei sem material e com as condicionalismos associados. Por todas as razões, e em particular pelo facto de não me sentir muito à-vontade na água, nunca sonhei que um dia haveria de fazer canyoning. Depois de experimentar fiquei fascinado com o quão próximo poderemos sentir a aventura em segurança.

Vale do VougaDe todas as atividades descobertas, a que mais me marcou foi o montanhismo. Sempre senti um apelo natural pelas montanhas e por espaços de elevada solidão. Gosto de reencontrar-me pelas veredas e subir ao alto de quem gostaria de ser. O geocaching veio exponenciar e concretizar essa paixão. Bastou uma primeira experiência de geocaching na montanha para perceber que este era o meu ambiente preferido para praticar o passatempo. Depois, com ou sem geocaching, a montanha passou a ser o princípio e o fim de muitas aventuras. Travessias e pernoitas deixaram de ser sonhos adiados e tornaram-se repositórios de grandes memórias!

Tendo como contexto o geocaching e partindo do fascínio pelas montanhas descobri o trail running. Quando surgiu o primeiro vislumbre desta modalidade estava ainda longe de imaginar o quão esta descoberta seria interessante e me levaria a quebrar mais algumas barreiras. Há cerca de quinze quilos atrás esticava-me no sofá e limitava-me a exercitar os dedos com o comando da televisão, vagamente desinteressado no que se estendia para lá da janela e do conforto da casa. Depois, é difícil transcrever por palavras o quanto me satisfaz e realiza todo o processo de vencer um desafio de ultra trail, desde a escolha da prova, a preparação, as dúvidas, as dificuldades, as esperanças, a prova propriamente dita, o sofrimento e o momento final, em que todas estas vivências se transformam num sorriso intemporal de felicidade pura.

Castro de Romariz

À medida que o geocaching foi proporcionando a descoberta de locais fantásticos e insuspeitos, um novo passatempo emergiu da sombra: a fotografia. Face ao manancial de oportunidades, começou a parecer-me que as fotografias não revelavam verdadeiramente a beleza dos locais ou dos momentos, o que me levou a querer aprender mais sobre a arte e o sobre o equipamento. Até então, a fotografia nunca tinha sido um fim. Depois, e também à boleia do geocaching, passei a acordar a horas improváveis ou a pernoitar em locais insuspeitos para assistir e fotografar o nascer do sol, em momentos que antes apenas existiam no meu imaginário, mas que entretanto se tornaram obrigatórios e fundamentais, ano após ano.

Para lá dos locais e atividades que o geocaching permitiu descobrir, falta enunciar o melhor de tudo: os amigos. Este é um dos aspetos mais marcantes do passatempo, pela facilidade com que se conhecem pessoas e se criam amizades. Tendo em conta o interesse comum, parece haver um elo natural entre geocachers. No final, vivência atrás de vivência, ficarão sempre os amigos e a certeza de que, se não for por mais nada, só por isso já valeu a pena!

Detrelo da Malhada

Artigo publicado na GeoMagazine#21


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