Todos os geocachers são iguais, mas alguns são mais iguais do que outros. Quando ninguém está a ver, já todos, ou quase todos, contornámos normas e acumulámos sorrisos sem que os tivéssemos granjeado devidamente. Os contextos podem ser muito variados, desde as descobertas desligadas em grupo, as coordenadas finais que surgem por magia ou os enigmas que se auto-resolvem. Existem vários níveis de perversão e não é fácil descortinar o que ultrapassa o limite do razoável. Talvez a mentira seja a melhor forma de o perceber. Se no seu registo alguém precisar de mentir ou de esconder a verdade é porque não deveria registar aquela descoberta. Todos temos telhados de vidro, mas alguns abusam.
Não tenho qualquer pretensão de ser moralista e não penso que o geocaching deva ser aquilo que eu desejo ou alguém idealiza. Trata-se de um passatempo e cada um poderá vivê-lo à sua maneira, desde que isso não prejudique outros geocachers ou o próprio passatempo. Também, no que diz respeito às normas a seguir, a legitimidade das descobertas pode ser demasiado simplista e insuficiente: se o nome do geocacher estiver no livro de registos, então a descoberta é válida. Cada um de nós, desde a inscrição no passatempo até à colocação da última cache, aceitou estas normas. Porém, independentemente dos factos referidos, a questão não é assim tão linear.
Entre um simples registo no livro e a descoberta da cache pode haver diferenças abismais de dedicação, tempo despendido e distâncias percorridas. Uma não-descoberta pode mesmo valer por mil falsos registos. Como dono de caches, e por respeito aos geocachers que se empenharam para encontrar uma determinada cache e/ou atingir um objetivo, muitas vezes indo além daquilo que consideravam os seus limites, tenho o dever de proteger a cache de descobertas que, embora não pareçam ilegais, são desprovidas de sentido e ameaçam o próprio conceito do passatempo. Muitas vezes são os próprios geocachers, que já concluíram uma determinada cache, a informar sobre a situação imprópria, “insistindo” na reposição da verdade. Infelizmente, essa proteção apenas pode ter efeitos nos vindouros. Os maiores problemas associados a estas descobertas desviantes é que não sabemos os limites ou repercussões da situação. Rapidamente as coordenadas podem ir parar a uma lista e a única solução é alterar o ponto final e/ou reformular o enigma. Para além de injusto, é imoral.
Ao olhar para o meu percurso no geocaching associo geralmente os momentos de maior satisfação e realização às conquistas mais exigentes. Tanto a nível de caches colocadas como descobertas. Compreendo que a vontade de subir nas estatísticas possa induzir as pessoas na tentação de registar mais caches do que deveria. Porém, acredito que quando gostamos de algo deveremos fazer um esforço para evitarmos as más práticas. Mais cedo ou mais tarde acabaremos por perceber que não conseguiremos encontrar todas as caches que existem. Ainda que no imediato a perceção dos números possa afagar o orgulho, com o tempo as falsas descobertas conduziram ao desinteresse. De consciência tranquila, as estatísticas têm outro encanto. Não por vaidade, mas para que as possamos sentir como verdadeiras; por respeito ao passatempo, mas sobretudo por respeito a nós próprios.
Os registos imaginários e as estatísticas enviesadas não conseguem gerar experiências marcantes. Tais descobertas são insubstituíveis, pese embora todas as dificuldades inerentes, desde a preparação da aventura até à superação do desafio. E isso vale por qualquer pódio, sobretudo os falsos. É esse, também, o geocaching que nos inspira e pelo qual deveremos insistir; promover um geocaching verdadeiro; prezar por uma lei moral acima de qualquer interesse pessoal e propagar uma consciência cívica sobre o melhor para o passatempo; fazer o bem sem estarmos à espera de benefícios; agir de forma correta independentemente das consequências e possuir uma disposição natural para, mesmo que mais ninguém veja, agirmos como se estivéssemos a ser observados. Contra o triunfo dos números, vale a pena lutar por um “geocaching de rosto humano”!
Artigo publicado na GeoMagazine#22.