DraveTrail_19

Desde a primeira visita, o reencontro anual com a Drave tornou-se uma tradição obrigatória, quase como se fosse ato religioso. Nos últimos anos algumas dessas visitas foram num contexto de trail, uma modalidade que em Portugal saiu do berço nas serras da Freita e Arada. Como tem sido habitual, o evento deste ano dividia-se entre a caminhada, desde Regoufe, e a corrida, desde Póvoa das Leiras. Manhã cedo rumei à Póvoa e quando lá cheguei já o grupo estava reunido para enfrentar a serra.

Iniciámos a corrida no espetacular Trilho Inca. Apesar de despido de vegetação pelos incêndios passados, o caminho pela escarpa mantém-se impressionante e  de vistas dominantes sobre o vale. Quando passámos pelos Dois Pinheiros da Garra os céus decidiram abençoar-nos a corrida com alguma chuva. Felizmente foi passageira. Ao invés da habitual descida para o rio seguimos em frente pela crista e subimos ao monte proeminente sobre Covelo do Paivô. No pico, parecia que estávamos num trono de vistas circundantes para as encostas mágicas.

Seguiu-se uma descida abrupta pelos picos do tojo e da carqueja, que fez sobressair riscos nas pernas e a evidência de que nesta serra se deve correr de meias compridas. A descida para o rio Paivô fez-se depois num suspiro, passamos pelas poldras e investimos pelo trilho da direita. Chegados ao fim do caminho rural, e volvidos cinco anos desde que o Ultra Trail deixou de passar por ali, a subida para o PR Na Senda do Paivô fez-se a custo pela vegetação cerrada, já que o trilho desapareceu. No conforto da Senda, o trilho segue pelo lajeado forjado pela persistência humana em unir as aldeias vizinhas.

Na passagem por Regoufe ficamos a saber que os lobos têm andado a rondar as serranias próximas. A breve paragem serviu para cumprimentar alguns caminhantes que tinham vindo de longe para o evento e lá subimos para o Alto de Regoufe, onde contemplamos a Garra na sua plenitude. A corrida pelo PR – Aldeia Mágica fez-se num instante e é fantástico ver a Drave surgir por entre as linhas escondidas dos montes.

É sempre um prazer reencontrar a Aldeia Mágica e percorrer as suas ruas sinuosas de xisto. Cada pedra parece contar a história de cada habitante por ali deambulou. E, em cada história, por entre a saudade do abandono, reescreve-se o futuro de um lugar especial, onde os caminheiros do amanhã reencontrarão o refúgio natural para escapar ao bulício da vida moderna.

Após o reencontro de todos os participantes no evento, uma rápida visita guiada a um casal suíço encantado pelo lugar e o encontro de outros caminhantes com amigos comuns (o mundo da Drave é realmente um lugar pequeno), investimos a jusante da ribeira da Drave. Este talvez seja um dos meus percursos preferidos na região. Desta vez o caudal generoso tornou-o ainda mais desafiante. Ainda assim, consegui chegar à Quinta do Pego com os pés enxutos.

Chegados à quinta, encontramos mais um personagem deste vale, o sr. António, um entrevistados do documentário “Uma montanha do tamanho do homem”. Nascido e criado naqueles montes, num intervalo do arranjo da casa, foi um prazer ouvir a sua história de vida.

Depois do Pego as dificuldades de progressão aumentaram. De uma forma ou de outra todos foram à água. Depois de passarmos a antiga ponte lá surgiu o trilho que nos haveria de levar Garra acima. A subida constante é extenuante e em cada vislumbre da linha do monte parece que nunca mais chegaremos ao cimo. Porém, olhando para trás, vamos ganhando perspetiva sobre o vale do Paivô e a esperança faz-se caminhando, um passo atrás do outro. À passagem pelos Dois Pinheiros, com o terreno menos abrupto, a certeza do fim fica apenas a uma curva pelo Trilho Inca.

Os cerca de 24 km do trail podem ser vistos/descarregados aqui. As minhas fotos podem ser encontradas acolá.

Muito obrigado a todos pela presença em mais um evento pelas montanhas mágicas da Drave!

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