«Antigamente é que era bom!». Este é um desabafo tão explorado e repisado, nos mais variados contextos, que já se tornou um cliché ao qual é difícil fugir. Cada nova geração parece adotá-la como se fosse um legado de saudade, ainda que por vezes a definição de “antigamente” pareça uma linha indecifrável entre o presente e o passado. É difícil fazer uma generalização sobre o tema, mas valerá a pena tentar. Qualquer que seja a temática, sinto alguma desconfiança sempre que ouço esta frase, mas tal não invalida que o saudosismo nos bata à porta e que, obviamente, existam muitas pessoas que pensem dessa maneira. Parece-me contudo que de cada vez que preferimos o passado poderemos estar a ignorar o presente e a comprometer o futuro.
No geocaching, esta saudade do passado é também um lugar-comum. Não se tratará de uma vontade em inverter a marcha inexorável do tempo, mas sim de trazer para o presente o tipo de geocaching que existiu no passado. Mas que tipo de geocaching era este que tantas saudades deixa a alguns geocachers?
Pensando em termos de quantidade, a diferença é de facto significativa. Considerem-se então as duas vertentes do paradigma numérico: ser ou não ser seletivo? Para quem pratica(va) um geocaching seletivo, antes apenas tinha de abrir o mapa de caches para definir as que queria procurar; tratava-se de uma seleção natural por defeito. Encontrar 5 caches num dia pareceria um exagero de esforço e poderia significar muitos quilómetros percorridos. Atualmente, e para quem gosta de praticar um geocaching seletivo, temos uma emaranhada seleção por excesso. Tornou-se então mais difícil discernir quais as caches que se adequam aos gostos de cada um. Porém, para equilibrar a divergência, passaram também a existir diversas ferramentas que permitem fazer essa seleção. Poderemos escolher de acordo com a qualidade, a dificuldade, o terreno e os atributos; no limite poderemos até filtrar as caches pelos donos, ignorando os que eventualmente tenham previamente proporcionado experiências menos positivas. Na vida aprendemos a valorizar o que gostamos e a ignorar o que desgostamos; no geocaching podemos adotar uma estratégia semelhante.
Por outro lado, para quem não é seletivo, gosta de praticar geocaching de forma regular e ver o seu número de caches encontradas crescer de forma sistemática, o excesso de oferta será mais uma bênção do que um problema. Porém, é certo que a busca desenfreada de caches poderá conduzir a algum desinteresse; mais cedo ou mais tarde acabaremos por perceber que nunca iremos conseguir encontrar todas as caches e que as zonas apenas ficam totalmente “sorridentes” por um determinado período de tempo; inevitavelmente acabarão por surgir novas caches.
Considerando o aspeto da qualidade, a análise poderá ser mais ambígua. No fundo, dependerá do tipo de geocaching que cada um mais aprecia. Para quem gosta de encontrar um recipiente dedicado, a evolução é claramente positiva. Variando os contextos, muitos criadores passaram a esmerar-se bastante na elaboração de recipientes, investindo tempo e dinheiro para que os descobridores possam ter uma experiência melhorada. Independentemente dos propósitos, e de um modo geral, a mais-valia é significativa. Com o poder de criar recipientes elaborados vem também a responsabilidade; o problema não se coloca no caso de existir um local que valha a pena mostrar e para isso construiu-se um recipiente dedicado, mas sim na inversão do paradigma: constroem-se recipientes elaborados e depois decide-se a sua localização mediante o propósito de exponenciar as visitas e alcançar objetivos. O geocaching deve manter-se como um passatempo em que se dá a conhecer locais que tenham algum tipo de interesse; assim, as caches estarão mais preparadas para passar o teste do tempo. Pensando ainda em termos de caches, é legítimo considerar que antigamente poderia existir mais cuidado em colocar recipientes com dimensões mais adequadas e com toda a informação necessária.
Feita a análise às caches, importa também pensar nos geocachers. Esta vertente poderá ser ainda mais ambígua, mas é aceitável considerar que as boas práticas se deterioraram um pouco. Por exemplo, um dos aspetos mais significativos estará relacionado com as movimentações de travel bugs s e geocoins. Atualmente, estes itens tornaram-se tão raros nas caches que a sua descoberta passou a ser motivo de celebração. Apenas as caches mais isoladas estarão menos sujeitas a estas práticas enviesadas. Em termos da qualidade dos registos, a temática acaba por ser transversal e as disparidades talvez não sejam significativas; antes e depois existem excelentes exemplos de partilha. Aliás, estas diferenças, para o bem ou para o mal, estarão sobretudo relacionados com o aumento da quantidade de caches e geocachers.
Houve um tempo em que o geocaching era um segredo bem guardado. A disseminação pelos meios de comunicação acabou por trazer muita gente para o passatempo. Muitas práticas e valores deterioraram-se, mas surgiram também muitos aspetos positivos e outros tantos geocachers que se empenham na promoção da sua qualidade. O tempo vai passando e as fases de alento e desânimo sucedem-se naturalmente para todos; poderemos até atravessar momentos e intervalos em que o geocaching fica esquecido. Contudo, quando se sente o prazer da descoberta e o gosto pela Natureza, o geocaching é um estado natural e a uma essência intrínseca. No final, para lá das caches, das memórias e das aventuras, ficarão as pessoas; e isso supera qualquer saudosismo. “Antigamente era bom, mas futuramente vai ser ainda melhor!”
Artigo publicado na GeoMagazine#19.