A minha cache preferida

Encosta do Sol - Serra do Gerês
Certo dia, ao cirandar pelas inúmeras páginas do Facebook dedicadas ao geocaching, encontrei uma referência que me despertou o interesse. O autor do anúncio afiançava que tinha descoberto aquela que ele considerava ser a melhor cache que já tinha encontrado. Logo de seguida, o autor enumerava quão banais e desinteressantes eram o local e a listagem da página; sem paisagem, história ou estórias. Porém, o recipiente era fabuloso! E estava assim eleita a sua cache preferida. Para as linhas que irei dedicar de seguida sobre este assunto não interessam quem era o geocacher ou qual era a cache. Aliás, como é inerente a estes artigos, esta é também apenas uma opinião.

Litoral AlentejanoFelizmente, todos temos gostos diferentes e valorizamos aspetos distintos neste passatempo. Assim, todas as perspetivas podem ser válidas e não devem ser encaradas como certas ou erradas de forma simplista. Não obstante, creio que é possível elevarmo-nos do emaranhado de conceitos e ditames para tentarmos destrinçar o que melhor representa a qualidade no geocaching. Estaremos assim mais perto de perceber de que forma poderemos tirar um melhor partido do passatempo. De forma onírica, poderemos até tentar construir verdades, cosendo as preferências individuais, sobre o que é o melhor para o geocaching.

Já todos nós passámos pelo desafio de explicar a um desconhecido, amigo ou familiar o que é o geocaching. Poderemos ambicionar despertar-lhe o interesse pelo passatempo ou, simplesmente, fazemo-lo para o convencermos que, apesar de andarmos à procura de plásticos em locais inusitados, não somos doidos. Pela minha experiência, cheguei à conclusão que é mais elucidativo (e talvez menos arriscado) esclarecer como surgiu passatempo do que explicar, de chofre, o que é o geocaching. Comecemos então pela perspetiva histórica. Aquela que é hoje considerada como a primeira cache (The Original StashGCF), surgiu sobretudo porque, logo após o governo americano ter cancelado a designada “disponibilidade seletiva”, Dave Ulmer, em 3 de maio de 2000, quis testar se alguém conseguiria, pelas coordenadas, encontrar um recipiente escondido no meio da natureza. Para tal publicou o desafio num grupo de discussão, incitando à partilha de objetos no recipiente, e pediu aos utilizadores para relatarem a experiência. Outros entusiastas tiveram a mesma ideia e, meses depois, Jeremy Irish desenvolveu o conceito e criou a plataforma (www.geocaching.com) que transformou a “brincadeira” num passatempo incrível! A matriz inicial do geocaching mesclava, numa escala geográfica e global (geo), a descoberta e partilha, através da tecnologia GPS, de locais que possuíam algum tipo de interesse e que serviam para guardar temporariamente objetos (cache – palavra de origem francesa usada entre exploradores pioneiros, mineiros e piratas). Daí surgiu, de forma natural, a “caça ao tesouro dos tempos modernos”, como é normalmente apresentado o geocaching.

Serra da LousãDurante muito tempo, o recipiente foi encarado sobretudo como um meio para atingir um fim: visitar um local. A essa descoberta estavam inerentes outras: encontrar o recipiente e partilhar objetos. Contudo, e apesar de a dimensão do recipiente variar de acordo com as circunstâncias e com o local, de um modo geral e mesmo sem consultar as caraterísticas da cache já se sabia de antemão o se iria encontrar. Nos primeiros tempos do passatempo, a generalidade dos recipientes tinham uma dimensão apropriada para a partilha de objetos e as possibilidades de escolha de locais eram vastas e variadas. Acho que já todos nós nos imaginamos como sendo os geocachers pioneiros em Portugal e nos interrogámos sobre quais seriam os locais onde colocaríamos as nossas caches. Depois, a evolução do passatempo acabou por diversificar o tamanho e características dos recipientes. Se por um lado passaram a existir recipientes bastante elaborados e apetecíveis, surgiram também bastantes recipientes demasiado pequenos para o contexto em que são inseridos. Por exemplo, torna-se particularmente frustrante encontrar recipientes micro na vastidão isolada de uma montanha.

Apesar de existir sempre espaço para a descoberta de locais interessantes, em concreto numa região inexplorada (ou mesmo que fiquem próximos de caches já existem, mas que revelem algo de novo), é natural que subsistam cada vez menos locais apetecíveis. Assim, a criação de recipientes mais elaborados acabou por surgir como uma forma de diferenciação. Os prémios podem também estimular essa criatividade. Para quem vai à descoberta pode ser mais interessante encontrar um recipiente dedicado e criativo. Para alguns, a avaliação da qualidade de uma cache resume-se a isso. O problema está quando se desvaloriza o local e a suas idiossincrasias, e o único aspeto relevante da localização é potenciar as visitas. Muitas destas caches poderão não resistir ao período pós-fama ou aos problemas de manutenção associados a uma colocação mais suscetível às más práticas de geocachers ou à incompreensão dos temíveis muggles. No geocaching existe espaço para as diversas perspetivas, mas a inversão do conceito “Conheço um local fantástico, então vou criar uma cache” para “Criei um recipiente fantástico, então vou procurar um local disponível para o deixar” parece divergir do paradigma do passatempo.

Cântaro Magro

Uma cache não pode e não deve ser apenas um recipiente. Creio que é importante fazer essa distinção. Arrisco-me a dizer que num DNF (Didn’t Found it) também se pode descobrir a cache; apenas não se encontra o recipiente. Descobrir uma cache pode significar: ler a listagem da página, fazer o percurso e visitar o local. Existem inclusive muitos pseudo-geocachers que passam por todas estas etapas, mas não sentem necessidade de encontrar o recipiente. Outros ainda insistem em permanecer sem registos online, estando no passatempo apenas pela partilha dos locais.

Qual é a minha cache preferida? Das que encontrei, não tenho uma cache preferida, mas sim caches preferidas. Tenho também um contexto preferido para encontrar caches: a montanha. Fugindo ao cliché, a minha cache preferida não é a próxima. Mas estará por certo num local fantástico. Terá uma listagem apelativa, pela história ou estórias relacionadas. Terá um recipiente simples, generoso e adequado, escondido provavelmente atrás de uma pedra. Não será fácil lá chegar, mas serei recompensado pela superação das dificuldades. Sei que nesse dia não quererei encontrar outra, quer porque a cache o exige ou o merece. E sei que, felizmente, ainda tenho muitas caches preferidas por encontrar.

Boas férias, boas descobertas e boas preferências!

Artigo publicado na GeoMagazine #16.

Pico Gilbo - Picos da Europa


A minha cache preferida

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