Viagem a Sul pelo Interior

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Com a chegada do verão e das férias corremos desenfreadamente para as praias. Muitas vezes esquecemo-nos dos tesouros perdidos no interior do nosso país. Contrariando esta tendência, seguimos por uma viagem rumo a sul em busca de uma interioridade abandonada, tentando conciliar o património monumental e paisagístico com a satisfação da vontade do corpo em se refrescar nas belíssimas águas de inúmeras praias fluviais, estendendo o marasmo ao sabor dos dias.

Rio Guadiana

Se tudo nas Beiras nasce da Estrela, deve subir-se a montanha para deslindar o caminho a seguir. Ao longo dos últimos anos, a praia fluvial de Loriga (GC33QKV) tem vindo a ganhar adeptos e reconhecimento como uma das melhores do país. As águas que descem da Garganta recriam as delícias dos seus veraneantes. Num intervalo do descanso, pode-se ir na peugada dos passos esquecidos de Viriato (GC171VN). Entrando na Cova da Beira, passando pel’A Moagem (GC4QYFG) à espreita da cultura, prossegue-se à descoberta da história em Castelo Novo (GCGGC1), uma aldeia histórica que soube maquilhar-se com a passagem do tempo. Do alto da torre de menagem, tendo como proteção os contrafortes da serra da Gardunha, o horizonte espraia-se num suspiro calmo.

Casa em Castelo NovoAo percorrer o interior vamo-nos apercebendo que faltam as pessoas. Percorrem-se as estradas nacionais na esperança de um reencontro. Ocasionalmente cruzamo-nos com outros carros e, não raras vezes, até somos cumprimentados, como se fossemos um vizinho de trazer por férias. Contudo, a paisagem está sempre ao alcance de um olhar, as noites enchem-se de estrelas e até a lua parece mais próxima. E ficamos assim, próximo dos nossos primórdios, a desejar que as noites amenas não terminem e que a rotina dos dias não nos volte a enganar a vida.

A paisagem é árida, mas bela. Ao virar de cada curva podemos ser surpreendidos com algum pormenor. Assim acontece em Idanha-a-Nova. Ao virar da curva, descobre-se uma visão magnífica que merece a nossa melhor atenção e devido registo fotográfico. A albufeira da barragem Marechal Carmona, emoldurada pelas ilhas (GC215Q7), pelo verde das árvores e pela tonalidade amarelada dos montes é uma aparição encantadora. Para além da beleza, o espaço convida também a banhos e a desportos aquáticos. A Festa Raiana, voltada para a agricultura, para as touradas e guerreadas, mas também com boa gastronomia e muita animação, atrai milhares de visitantes, alternando anualmente a localização entre Portugal e Espanha.

Ainda pelas terras da Egitânia, torna-se obrigatório visitar a perene Idanha-a-Velha (GCNQZZ). Ao sair-se do veículo somos levados para outro tempo. Sente-se o cheiro do abandono da juventude, mas o património histórico e cultural permanece inalterável. Toda ela digna de registo, mas é de salientar o lagar de azeite, o museu que existe perto do posto de turismo e a antiga Sé. E qual será a aldeia mais portuguesa de Portugal? O concurso já decorreu há algumas décadas, mas o epíteto prevaleceu. Monsanto. Em Monsanto (GC3GC42) não se faz sentir tanto o abandono. As ruas são íngremes, estreitas e atreitas ao turismo, que vai reinventando a interioridade da aldeia histórica. A meio, a torre do relógio marca a cadência do tempo por estas bandas. O horizonte perde-se em qualquer vislumbre da paisagem. Lá em cima, o castelo parece um sonho de penedos (GC3NCKR). Vale a pena explorar os seus limites exteriores, descobrir a antiga igreja e espreitar pelo arco do que vai sobrevivendo ao tempo. Dá uma bela sessão fotográfica; é só emprestar asas à imaginação. Para completar este périplo, deve rumar-se a Penha Garcia. Com sorte, pode acertar-se no fim de semana da reconstituição medieval. Lá no alto, o castelo vai controlando a vida que passa pelo vale. Em baixo, junto ao rio, encontra-se um tesouro geológico em forma de icnofósseis. Pode descer-se pelo percurso ou seguir de carro até à barragem e prosseguir depois a pé. Para além de ficarmos a conhecer as cruzianas (GC13D90) no pequeno museu e ver alguns moinhos, pode-se aproveitar a refrescante praia fluvial do Pego para ir a banhos. É uma verdadeira piscina, encimada com uma bela cascata.

Praia fluvial de Loriga

Seguindo a viagem, antes de se entrar no Alentejo, os rios são portas para outras paisagens. Nas incontornáveis Portas do Rodão, depois do castelo (GC1NRAR) e das lendas, o rio Tejo esgueira-se por uma nesga de esperança em alcançar o Atlântico. De longe, ou de perto (GCF508), de um lado ou do outro, o importante é chegar lá (GCF508). As vistas são inesquecíveis! A jusante, na margem direita, ergue-se o inexpugnável castelo de Belver (GC48QRZ), que oferece vistas fantásticas para o rio e, em particular, para a praia fluvial do Alamal (GC1GPC1). Existe por ali um percurso pedestre que une as duas margens e que inclusive usa um passadiço ao longo do rio (GC2WZYM). Mas não é apenas o rio Tejo que atravessa portas. Ali perto, o rio Ocreza também o faz, nas Portas de Almourão, entre cobras, lagartos e cobrões (GC12TRC).

Rumo a sul, não se pode aceder à planície alentejana sem passar na portagem de Marvão. O castelo (GC2EFE0), com um esplêndido jardim intramuralhas, é o último reduto da memória contra a passagem do tempo. Mais abaixo, é mesmo necessário parar na Portagem para apreciar a ponte velha (GC4A8HC) e, naturalmente, a sua praia fluvial, que por sinal é merecidamente bastante concorrida.

Juromenha

Aqueduto de Elvas

Praia fluvial do Pego - Penha Garcia

Prosseguindo a viagem, passando por Portalegre, todos os regressos a Elvas são um compromisso de satisfação. Os motivos de interesse são muitos, desde o imponente Forte de Graça (GC34X55), que está a passar por um período de obras de requalificação, ao incontornável aqueduto da Amoreira (GC13Y2K), às fortificações envolventes e ao castelo (GC2JZ2X). Indo ao encontro da fronteira, é imperativo passar por Juromenha (GC2492G). As ruínas da sua fortificação têm qualquer coisa de mágico e muito de belo! A paisagem que se avista e o majestoso rio Guadiana que se estende aos nossos seus pés proporcionam uma sensação de grandeza. Sente-se a paz que provém do silêncio que subsiste neste reino perdido.

Minas de São Domingos

Monsanto

Nesta viagem pelo Interior, à descoberta de um Alentejo inteiro, importa acertar o calendário com a festa das ruas floridas de Redondo. Trata-se de um espetáculo de cor, imaginação e trabalho meticuloso. Entretanto, pode-se conhecer parte da vila através da Porta da Ravessa (GC4X6QY). Com uma nova aproximação ao rio Guadiana, Monsaraz oferece-nos uma visão grandiosa da albufeira da barragem de Alqueva (GCKQ09) e do que se alterou na paisagem da planície com a sua construção. Pode visitar-se o castelo e a vila medieval (GC5MNWQ), calcorreando as calçadas gastas, e descobrir um conto de fadas (GC147F4) contado pelo vento. Do outro lado da albufeira, passando pelo cromeleque Xeres (GC1AFH1), chega-se ao esquecido Mourão, onde a sua fortificação é um autêntico tesouro medieval (GC2T95C). O espaço é muito agradável, revelando um mistura interessante de conservação e abandono.

Convento do TominaAlentejo. Longe do manto de água da albufeira, a planície torna-se árida e cada sombra é uma promessa de descanso. O horizonte vai definhando numa miragem insuspeita. A vida deambula em passos erráticos e as gotas do suor saem-nos da alma. E no meio desta imensidão, jaz, esquecido, o convento do Tomina (GC1MN4P). O caminho faz-se a montante de uma ribeira, seca no auge da época estival. Os trilhos dividem-se por estes meandros, furando a vegetação, como se fossem os caminhos da sobrevivência. Com a aproximação, o vale torna-se mais escarpado e as rochas mais salientes. E então, como por magia, surge no horizonte a torre sineira do convento. Duas encostas depois, reencontra-se a história. O monte rochoso vizinho, que a Natureza recriara ao longo das eras, foi transformado num edifício religioso que sustentou gerações. Agora, tomado pelas heras, parece estar a fazer o seu caminho de regresso ao mundo primevo. O abandono conferiu-lhe uma mística muito própria. Parece perdido neste tempo, num périplo desconcertante em busca do seu século.

Continuando a viagem, Serpa aguarda-nos com um sorriso e a promessa de algum repouso. A zona histórica espera a nossa visita e, num relance, sobe-se à ermida de Guadalupe (GC191GY). Um pouco mais a sul, as Minas de São Domingos (GCNJ7E) são uma lição de geologia à espera que alguém lhe vire a página, enquanto as visões apocalípticas da Achada do Gamo, com as ruínas dos edifícios da exploração mineira, levam a nossa consciência para um mundo distópico e distante. Próximo das vontades veraneantes do corpo, a praia fluvial da Tapada Grande é um reconforto inadiável. A praia insere-se numa lagoa que convida à aventura há largos anos, promovida por umas das primeiras caches que foram colocadas em Portugal (GC2012). Ali perto, pode-se ainda desdobrar a aventura numa subida ao Guizo (GC5DVRB) que, embora Pequeno de nome, açambarca para si a paisagem num suspiro.

Alentejo

Juromenha

Ruas floridas de Redondo

Controlando a paisagem do rio Guadiana, Mértola atravessou várias épocas, povos e culturas, oferecendo um património diverso a quem quiser reencontrar-se com o passado. A montante do rio, torna-se imperativo visitar o Pulo do Lobo (GC9E71). As águas esgueiram-se entre os rochedos e precipitam-se numa cascata, esculpida pelo tempo (GC1G43Q) e digna de registo. A jusante, o rio aproxima-se da fronteira e chega a Pomarão numa calma inquieta, alongando-se pelas margens. Com o corpo pesaroso da longa viagem, aproximamo-nos do nosso destino. Mas antes, importa conhecer a albufeira da barragem de Odeleite (GC1GBM8) e passar por Castro Marim (GCY2N3).

Castelo de Marvão

Depois, Algarve litoral. O trânsito demora-se pelas estradas apinhadas, as praias enchem-se de veraneantes, as toalhas colocam-se em espaços exíguos, as noites e as ruas fervilham de vida boémia, as estrelas tornam-se menos brilhantes e o silêncio da planície parece agora uma memória distante. O tempo de férias combina efetivamente com o Algarve, mas até lá, longe das autoestradas, existe uma miríade de interesses numa interioridade esquecida que urge redescobrir! Boas férias e boas descobertas!

Albufeira de Idanha

Praia de Alamal e Castelo de Belver

Artigo publicado GeoMagazine #16, escrito em conjunto com a Ana Valente.


 

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