sunrise@CântaroMagro_16

Cântaro Magro

Mais um ano, mais um evento sunrise@CântaroMagro. Pela quinta vez fui assistir ao nascer do sol na formação rochosa mais emblemática da Serra da Estrela. O que começou como uma aventura que pretendia juntar natureza e literatura é agora um momento ansiado e inadiável, ano após ano. Como tem sido habitual, para além do momento referido juntaram-se dois percursos pela montanha. A experiência duraria até que as pernas soubessem manobrar a vontade e a resiliência persistisse.

Em busca do Vale da Candeeira

O encontro ficou marcado para a manhã de sábado (25/6) no estacionamento do Cântaro Magro. A ideia era descer aos covões e percorrer a rota do Maciço Central. No ano passado tínhamos feito a descida pela Via dos Mercadores, pelo que desta vez resolvemos saltar as dificuldades e descer pelo outro lado do cântaro. Apesar de inclinada, a distância é vencida num sopro. Após algumas passagens pela zona, conseguimos finalmente resolver um dos maiores mistérios modernos dos montes hermínios: a marca do carro, amolgado e retorcido, que desceu, há já largos anos, o vale glaciar aos trambolhões. Trata-se de um Opel Kadett!

Ribeira da Candeeira

À chegada ao Covão d’Ametade reencontrámos os restantes participantes que decidiram poupar os joelhos à descida acentuada e aproveitámos para almoçar. Iniciámos depois o percurso em direção ao Vale da Candeeira, subindo pela encosta do Vale do Zêzere. Passámos o acesso à Lagoa dos Cântaros e vencemos o último quilómetro até ao vale glaciar. Subimos depois pelo leito do gigante, acompanhando a ribeira. O que era plano e fácil logo se transformou em fechado e abrupto. Porém, os caminhantes vergaram as dificuldades e alcançaram a divinal Lagoa do Peixão, rebatizada pela proximidade semântica em Paixão. Pormenores à parte, o local é um dos segredos da Estrela mais agradáveis de descobrir.

Lagoa da Paixão

Subimos ao largo do Fragão do Poio dos Cães, um local de lendas e despedidas pastoris, e alcançámos finalmente o planalto. Prosseguimos depois pelo trilho e cirandámos as lagoas em busca de uma nova visão dos cântaros. Quando a encontrámos aproveitámos para descansar e percorrer com o olhar o que antes tínhamos feito com as pernas. A maioria do grupo seguiu depois em direção à estrada e aproveitei para ir em busca dos participantes que tinham ido ao topo do Cântaro Gordo. Logo no início da descida sorriu-me uma ideia e senti uma brisa de trail a percorrer-me a vontade. O corpo ainda ansiava pelo cansaço. Acelerei pela vertente do Gordo, patinei até ao Covão Cimeiro e subi ao Magro. Terminei a clamar por fôlego, mas quando me voltei e encarei a depressão vencida senti uma satisfação inefável.

Chancas

Enquanto esperávamos pelos aventureiros que iriam enfrentar a noite no gigante de pedra aproveitámos para jantar e ultimar os preparativos. Com as mochilas às costas e prontos para a subida, parecia que iríamos ter uma semana de sobrevivência. Um dos aspetos mais inolvidáveis desta subida é a apreensão de quem a faz pela primeira vez. Da estrada, parece uma ascensão impossível. Depois, é incrível notar a satisfação de quem venceu o desafio com um esforço menor do que imaginava. Chegar ao topo do Cântaro Magro é sempre um reencontro com excelentes memórias. Ali, as vistas não têm limites e os sonhos estão à distância de um sorriso.

Lagoa Chanca

A noite dos 13 decorreu sem sobressaltos. Os petiscos e as bebidas, muito espirituosas, confortaram-nos o estômago e a excelente conversa foi levada pela brisa, para mais tarde recordar. Todas as noites no cântaro são diferentes. Desta vez não esteve muito frio, mas até os cabelos ficaram orvalhados. Acordei antes das 4h30 e desci apressado o cântaro para ir buscar os restantes participantes. Quando lá cheguei encontrei os mesmos rostos céticos, de quem questiona a sanidade para ali estar àquelas horas e se é possível chegar lá acima. Esta subida também decorreu sem sobressaltos. Pelo trilho, mais de 30 luzes em linha seguiam a esperança de alcançar o céu da Estrela.

O momento

Já lá em cima, à medida que o horizonte foi clareando reencontrámos as vistas do dia anterior. Ao longe, o sol, ainda tímido, começou a espreitar por entre as nuvens. Os participantes estenderam-se pelo cântaro e foram registando o momento para memória futura. Já o sol se tinha erguido inteiro no céu quando tirámos a foto de grupo. Enquanto enquadrava a máquina lembro-me de pensar no quão fantástico é ter amigos, colegas e desconhecidos, muitos deles tendo percorrido centenas de quilómetros, que se disponibilizam para estar naquele local e àquelas horas. Lembrei-me também daqueles que queriam ali estar, mas que desta vez não puderam. E lembrei-me por fim do Roberto e do André, que ali gostariam de estar, não puderam, mas estiveram.

Momentos

Depois do amanhecer descemos do etéreo e reencontrámos o mundo que havíamos deixado. O grupo foi-se dividindo entre despedidas e promessas de regresso. Seguimos depois até à Torre e iniciámos a segunda caminhada do fim de semana. Pelo planalto da Torre, a dificuldade reduzida do trilho permitiu esticar o cansaço das pernas e apreciar as vistas comodamente. Fomos até à Penha dos Abutres, de onde se tem uma vista vertiginosa para Loriga, e regressámos à Torre, com um breve desvio pela Lagoa Serrano. Respondendo aos compromissos, despedi-me da Estrela a meio da manhã.

Penha dos Abutres

Porém, a experiência não terminou. Durante a semana fui recebendo os registos fantásticos de quem participou no evento. Aproveito para agradecer a participação e a bondade revelada. O que começou numa dimensão pessoal está a transformar-se numa multiplicação de perceções e sentidos. De certa forma, é como se fosse um livro. No início, a estória é de quem a escreve; depois, é de quem a lê e a sente. Eu, mais uma vez, senti-me como se fizesse parte do cântaro e ele fizesse parte de mim. E é também isso que me faz regressar todos os anos.

As minhas fotos deste sunrise@CântaroMagro podem ser consultadas aqui.

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