Sombras de Silêncio #356

Depois do trabalho, Luís foi mostrar os aposentos do mosteiro que estavam destinados a Girolme. Passaram a ponte e seguiram ao longo do ribeiro até encontrarem a escadaria para a nova vida de Girolme. Desde a saída do último pastor que a porta ficara entreaberta, arejando a cozinha desprovida e o quarto remendado. A um dos cantos da cozinha erguia-se a chaminé imponente e o meio do espaço era dominado por uma mesa de pinho que deixara de servir à matança do porco. O chão estava infestado de pó e de lixo. Os armários estavam deteriorados e vazios. No quarto, a cama tinha sido despida dos lençóis; apenas resistiam os ferros enferrujados, o colchão com várias camadas de cor e uma mesa-de-cabeceira já sem portas. Pelas paredes corria alguma humidade e o teto de madeira estava esburacado. Apesar de o aspeto não ser acolhedor, Luís afiançou-lhe que em breve iria fazer alguns melhoramentos. Girolme olhava em volta e em cada vislumbre era assombrado por recordações da casa que ocupava em Lisboa, que se elevava em primor e comodidade. Todavia, pensou depois nas muitas noites que passou ao relento, em particular na travessia do Alentejo, e equilibrou a ambição.

A noite chegou e Luís convidou Girolme para ir jantar a casa do pai. Apesar de a instalação elétrica já estar programada há algum tempo, a iluminação ainda era feita pelos candeeiros a petróleo. Na cozinha, já estavam todos à espera da chegada dos dois. Girolme, conforme tinha sido instruído, foi sentar-se imediatamente ao lado de Luís e de Mariana. Jantaram batatas com enguias, que Luís tinha apanhado no ribeiro no dia anterior. Joaquim Marques, no topo da mesa, num tom sério e respeitoso, foi adiantando alguns pormenores do trabalho na quinta. Girolme ia comendo e sorrindo, em silêncio.

Quando terminaram o repasto, Luís entregou quatro cobertores remendados a Girolme e foi iluminar-lhe o caminho. Deixou-lhe depois o petromax e uma réstia de consolo por ter onde dormir sem que o orvalho lhe caísse em cima. Girolme sentou-se então numa das cadeiras, puxou do relógio de bolso, deu-lhe corda e colocou-o sobre a mesa, enquanto ia recapitulando o dia e as suas principais incidências.

Sombras de Silêncio #356

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