Sombras de Silêncio #282

Miguel Girolme não o reconheceu de imediato. Acabou por ser a pronúncia a revolver-lhe as recordações num vórtice de emoções. Nem queria acreditar que diante de si estava o homem que o ajudara a recompor a vida em Coimbra. Girolme esteve mesmo para se lançar num abraço sentido, mas acabou apenas por lhe apertar a mão e dizer:

– Professor? Há quantos anos! Eu acredito!

O doutor António, ainda convalescendo da enorme surpresa, convidou-o a sentar-se e pediu que lhe contasse o que lhe tinha acontecido. Poder-se-á dizer que os polícias, que se mantinham nas proximidades, estavam tão ou ainda mais estupefactos do que os intervenientes. Havia tanto para contar que Girolme nem sabia por onde começar. Lembrou-se então das fotografias que encontrou quando foi levado para as salas de interrogatório, com a figura atenta e austera do doutor António, mas desconfiou que talvez não fosse boa ideia revelar pormenores que o pudessem incriminar. Com um sorriso nervoso e entrelaçando as mãos entre os joelhos, acabou por anunciar:

– Mudei de nome e agora chamo-me Girolme.

– Mudou ou acrescentou? Girolme? Hum… está bem. Mas conte lá… lembro-me que saímos de Coimbra na mesma altura e você foi atrás de uma rapariga do circo, estou certo? Chegou a casar? Sabe, ao longo destes anos pensei muitas vezes no que lhe teria acontecido. É uma alegria reencontrá-lo!

A referência trouxe-lhe à memória a sua princesa e Girolme corou de imediato. O arraial de perguntas deixou Girolme com um amontoado de dúvidas sobre o que poderia revelar sem se comprometer, pelo que sorriu e encolheu os ombros, como se fosse uma criança ao ser confrontada com uma travessura. Perante a insistência do doutor António, Girolme, com a voz envergonhada, lá adiantou que trabalhara no circo durante algum tempo, dividindo o tempo entre as aventuras de Estupidus e outros afazeres, esforçando-se em tentativas constantes de agradar à rapariga. Mas quando por fim conseguiu convencê-la a namorar com ele teve a enorme infelicidade de ser confundido com um comunista e foi preso.

– Comunista?! – sobressaltou-se o presidente, começando a tossir de seguida, como se alguém o tivesse forçado a engolir um caroço de frustração.

Sombras de Silêncio #282

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