Sombras de Silêncio #276

Bilinho ainda se aproximou da estátua com o intuito de subir, mas um guarda vedou-lhe o acesso. Estiveram algum tempo por ali a apreciar as vistas e a construir sonhos. Seguiram depois pelo trajeto estipulado, descendo o monte em direção a Cacilhas por uma estrada de terra, ladeada por pequenos pinheiros e outras árvores. Enquanto caminhavam, Bilinho ia enumerando aquelas que deveriam ser as principais vantagens de ter uma vida errante, sem prestar contas a alguém. Girolme escutava com atenção, certo de que o amigo poderia ter alguns defeitos, mas também rabiscava muitas verdades.

Dez minutos depois, e numa altura em que tinham uma vista privilegiada sobre Almada, encontraram um casebre, aparentemente abandonado, ao redor do caminho. Era um antigo posto de descanso para os pastores da margem sul, mas havia muito tempo que deixara de servir esse propósito. Apesar do estado ruinoso, mantinha algumas paredes e parte do telhado. Num primeiro momento, os dois consideraram que, noutras circunstâncias, o local até poderia oferecer um bom dormitório. Porém, Lisboa ficava do outro lado da vontade e decidiram continuar. Quando estavam a passar mesmo à frente do casebre, surgiu à porta uma mulher de cabelos negros, com uma saia que dava pelos joelhos e uma camisa amarela.

– Querem entrar? – disse ela, enrolando o cabelo numa pose sedutora.

Num primeiro momento, Girolme julgou que ela deveria ser a dona daquela estalagem e estava à procura de clientes. Acabou por sorrir e esclarecer que estavam só de passagem. Mas logo Bilinho se intrometeu na conversa e perguntou o preço.

– P’ra ti, meu amor, é cinquenta escudos – disse a mulher, piscando-lhe o olho.

Girolme considerou aquilo demasiado esquisito e não entendeu como é que ele tinha andado uma vida inteira à procura do seu amor sem sucesso e havia quem fosse capaz de o anunciar à primeira vista. A mulher soprou depois um beijo para cada um. Girolme ficou de tal maneira embasbacado que apenas conseguiu revirar o olhar para o rio. Ainda nem chegara a Lisboa e tudo já era diferente. Demasiado diferente, pareceu-lhe.

– E pelos dois? – perguntou Bilinho.

– Então, amor?! andaste na escola?! É cem!

Sombras de Silêncio #276

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