Sombras de Silêncio #226

Miguel não compreendeu muito do que o homem dissera e não quis acreditar no que percebera. Depois de lhe explicarem o que era a morada, inspirado pelas suas histórias, inventou uma. Todavia, manteve a residência em Peniche. Os guardas estranharam a postura titubeante e pateta, mas supuseram que ele estaria assustado com a revelação surpreendente. Um dos guardas pôs-lhe depois a mão sobre o ombro e mandou-o sair. Miguel assim fez, mas foi primeiro dar um aperto de mão agradecido ao inspetor. Ainda perguntou se podia falar com Aníbal, mas ele recusou.

Miguel saiu para a praça e desceu por uma rua estreita a cheirar a liberdade. Continuou, apressado, receando que os guardas se arrependessem da decisão. Colocou então duas hipóteses para a sua libertação: aqueles guardas ainda não sabiam que ele era um fugitivo; em alternativa, tinha sido o doutor António que se envolvera no imbróglio. Miguel passou ao lado do aqueduto e continuou para o único sítio que conhecia naquela terra, desconsiderando se seria oportuno regressar ao lugar onde fora apanhado.

Ao chegar à estalagem e por ver todas as luzes apagadas, pôs-se a bater à porta. Instantes depois, uma das janelas do piso superior abriu-se e o estalageiro apareceu com uma lamparina de azeite.

– Vossemecê? O que é que quer?

– Dormir – respondeu Miguel, de forma envergonhada e julgando que as circunstâncias se mantinham.

– E tem dinhero?

– Eu cá tenho, mas o sinhor Aníbal já lhe pagou?

– O que o bandido deixou a guarda levou. Vá dormir p’ra outro lado ou telefono já à guarda p’ró vir buscar também! – advertiu o estalageiro.

Miguel, mal ouviu falar na guarda, ergueu as mãos em arrependimento e garantiu-lhe que ia embora num ápice. Porém, dois passos depois, voltou-se e perguntou-lhe como é que poderia ir para Espanha.

– Você até pode ir p’ró diabo que o carregue!

Miguel entendeu que nada havia a fazer e distraiu os olhos na escuridão do caminho, disposto a seguir até onde as pernas o levassem e a fome deixasse. Por sorte, até poderia encontrar a dita Espanha.

– Olhe – chamou o estalageiro, que ainda não tinha aceitado de bom grado o facto de a Guarda lhe levar o carro e quebrar o combinado –, vá até Juromenha e procure pelo Jaquim dos Óculos. Diga-lhe que vai da parte do Toino Gato.

Sombras de Silêncio #226

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