Sombras de Silêncio #35

José Francisco ficou indeciso por não saber qual seria a reação do sargento. Pensou em negar qualquer envolvimento no regicídio, mas reconsiderou depois que tal não convenceria o amigo.

– Eu… sei. Foram o Costa e o Buíça. Que Deus os guie até à Sua presença, pois prestaram um alto serviço ao país.

– Eles… mataram… o rei e… você esteve por detrás de tudo! Vocês enganaram-me desde o início! – gritou Carlos, em pleno estado de exaltação, rodopiando de um lado para o outro sem saber o que fazer.

– Oh, senhor Carlos, não diga isso que não é verdade – contrapôs José.

– Você enrolou-me para este cenário. Disse-me para pensar no meu filho! Eu fui apenas um peão. Malditos!

– Oh, meu amigo, não diga isso. Você fez o que deveria fazer.

– E logo el-rei? O plano não era matar João Franco? – perguntou Carlos, enraivecido.

– D. Carlos poderia criar outro João Franco, mas o João Franco não pode criar outro D. Carlos – justificou José, num tom de missão e absorto de qualquer piedade, convencido que o fim legitimava o sangue derramado.

Carlos, cada vez mais desorientado, recordou de súbito os sucessivos encontros e as conversas tendenciosas que lhe foram moldando a consciência. Percebeu por fim que a suposta amizade estava suportada por outros interesses e enfureceu-se contra a sua ingenuidade. Na rua, as pessoas seguiam em direção à baixa com a ambição de verem o corpo moribundo do rei, como se tivessem sido convocadas pelo sopro da desgraça.

– E agora, para onde vai? – perguntou-lhe, pela terceira vez, o sargento.

– Já lhe disse, eu vou ao Terreiro somente para ver…

– Diga-me a verdade! – gritou-lhe Carlos, de punhos cerrados.

– Você quer saber a verdade?! Esperam-me junto à Câmara. O tempo decadente da monarquia acabou e agora chegou a vez da república. Junte-se a nós e venha comigo – confessou José, arrependendo-se de seguida.

Sombras de Silêncio #35

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