Sombras de Silêncio #260

Bilinho também não estava agradado com o que ia escutando e ao fim de cinco copos fartou-se da atitude jocosa dos Pintassilgos. Disse então para o companheiro que era tempo de regressarem a casa. No final, e como fez questão de salientar, seria ele a ajudar Miguel, enquanto os ajuizados riam das misérias alheias. Miguel ficou agradado com a decisão. Bilinho recusou depois a boleia que os Pintassilgos insistiam em prestar e levantou-se para sair. Como o vinho tende a fazer esquecer tudo aquilo que não se quer lembrar, o taberneiro acenou-lhe com uma conta de cinquenta escudos. Bilinho enfiou a mão num dos bolsos do casaco, retirou algumas moedas e colocou-as sobre balcão. Porém, o taberneiro respondeu que ainda faltavam «dez mil réis». Bilinho procurou então nos outros bolsos, mas apenas encontrou algumas palhas de centeio, grãos de milho e ossos de uma asa de galinha. Prometeu depois que pagaria o resto no dia seguinte. Como Bilinho tinha alguma tendência para acumular dívidas e olvidá-las, o taberneiro garantira-lhe, há cerca de um mês, que a próxima dívida seria a última. Ao ver o taberneiro erguer a moca que tinha por detrás do balcão, Bilinho deu dois passos trás e abandonou a letargia da embriaguez.

O imbróglio acabou por resvalar para uma ameaça séria, que apenas foi resolvida quando Miguel se intrometeu e colocou algumas notas sobre o balcão. Surgiram então algumas dúvidas sobre como estaria o câmbio, mas o taberneiro tomou a primazia de realizar os cálculos. Amenizou depois a consciência com um copo de vinho, desculpando-se com a ideia de que Deus tinha inventado o dinheiro para o governo dos espertos.

Para além dos serviços de coveiro, Bilinho fazia também algum trabalho como cantoneiro e recebia em troca uma casa para morar e alguns tostões que o presidente da Câmara lhe dispensava ocasionalmente, de acordo com o pouco dinheiro que sobrava das outras despesas. Porém, Bilinho estava há algum tempo sem receber.

Os dois saíram depois da taberna e iniciaram o regresso a casa. Bilinho estava muito agradecido e prometeu devolver-lhe o dinheiro logo que fosse possível, mas Miguel considerou a dívida saldada pela oportunidade de ter um teto para dormir.

Sombras de Silêncio #260

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