Sombras de Silêncio #255

– Isso é que é pior. Apanhou-me num dia muito mau. Isto até costuma ‘tar cheio de comidas e bebidas… sei o que passou por aqui que desapareceu tudo… talvez fosse o raio do pássaro. Mas olhe, isto vai lá. se preocupe. há que comer, mas por Deus haverá que beber. As barrigas é que podem ficar vazias. Vamos até à taberna do Zé!

– Eu posso ir, tenho de arranjar dormida – retorquiu Miguel.

– Ó homem, você precisa de procurar. Lá eu o deixava sair daqui p’ró relento! Pode ficar aqui quanto tempo quiser. Eu nunca volto as costas a quem me ajuda!

A resposta de Bilinho confortou Miguel, mas ainda assim não lhe incrementou a vontade de ir beber vinho, como se a ação fosse algum serviço de graças a Deus.

Muchas gracias, mas eu acho que é milhor ficar por aqui. ‘Tá um friozinho que arrepia – tentou convencê-lo Miguel, de olhos postos nas formas impercetíveis da planície.

– Por isso mesmo – gritou Bilinho, juntando uma gargalhada convincente –, há nada melhor que o vinho p’raquecer. O estrafego. Vê-se mesmo que você nunca provou o vinho desta terra. Venha comigo que se há de arrepender!

Miguel voltou-se e franziu o sobrolho. Sabia que não era aconselhável travar conhecimento com muita gente, mas reconheceu que de outra forma dificilmente encontraria um teto para dormir. Acabou por aceder ao convite. Saíram da casa e foram em direção à vila, palmilhando mais histórias do passado. Bilinho estava particularmente satisfeito por ter encontrado alguém que o escutava.

Quando entraram no rendilhado de ruas estreitas e elegantes da vila, começaram a cruzar-se com outras pessoas. Bilinho cumprimentava-as de forma entusiasta, determinado em revelar a boa impressão que os seus conterrâneos teriam de si. Depois de algumas paragens, os dois chegaram finalmente à taberna, enfeitada na entrada com um assento de pedra e com duas videiras que subiam a parede fria. Por cima da porta, escrito de forma oval com tinta azul, poderia ler-se «O Cantinho do Zé Afonso». Assim o entenderiam, se eles soubessem ler. Da taberna provinha uma cantoria aplanada pela saudade.

Sombras de Silêncio #255

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