Sombras de Silêncio #253

Parco de opções, Miguel acabou por anuir e prosseguiram os dois pela estrada. Bilinho ia tagarelando os incidentes e acidentes que resumiam a sua vida. Miguel escutava com atenção, salientando os pormenores que considerava similares. Porém, Bilinho tratava logo de relativizar as circunstâncias, assegurando que o seu caso era sempre pior.

Já em Moura, contornaram a vila e chegaram à casa que Bilinho habitava. Os últimos raios de luz desvaneciam-se no horizonte. A casa, que na verdade era um pequeno casebre com apenas uma assoalhada, ficava a cerca de cem metros do cemitério, numa pequena elevação de terra. Ao redor da casa, encostadas às paredes, existiam algumas lápides de pedra estragadas. Ao lado sobrevivia uma figueira de porte considerável. De parcas dimensões, parcialmente pintada à pressa, a casa possuía uma lareira, uma pequena mesa, um amontoado de lenha de azinheiras e um aglomerado retangular de ferros que suportavam dois tabiques de madeira, cobertos por vários restos de lençóis que serviam de cama. Um dos cantos da casa era utilizado como local de descarga de inutilidades. O outro canto era ocupado por uma arca de madeira esburacada. Lá dentro estava o resultado de alguns anos de um projeto de pesquisa que Bilinho levara a cabo, resumido em mais de trinta guarda-chuvas.

Bilinho tratou logo de lhe apresentar o espaço por ordem de orgulho. Começou pelo monte de guarda-chuvas, esclarecendo que haveriam de o salvar do grande dilúvio que estava para chegar ao Alentejo. Miguel ia escutando com atenção, desconfiando de algumas insipiências do orador. Porém, na globalidade, acreditava que poderia aprender muito com aquele jovem. Bilinho tratou depois de lhe explicar como tinha conseguido convencer um pássaro a habitar no topo da chaminé para evitar hóspedes indesejados.

– Vive aqui sozinho? – perguntou Miguel.

– Já cá tive várias mulheres – respondeu de pronto Bilinho –, cada uma com os seus feitios e de sítios diferentes. Algumas até que me gostaram, mas nenhuma me serviu. E atão mandava-as embora… e as moçoilas lá iam a chorar. ’Tou à espera duma rainha!

– E como saber, quando la mirares? – inquietou-se Miguel, considerando injusto que, enquanto alguns as enxotam, ele parecia estar destinado à solidão marital.

Sombras de Silêncio #253

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