Sombras de Silêncio #211

– Ficaste maluco de vez, deve ser do sol que tens apanhado! – disse-lhe o guarda, num grito abafado – A única pessoa que te pode tirar daqui é o diretor e ele não anda por aí a fazer audiências aos guardas para saber quem sai ou quem… fica!

O ligeiro interregno no discurso serviu para lhe bater com o bastão. Miguel ficou combalido, mas nem por isso se dispôs a abdicar do seu propósito. Estava, ao fim de quase vinte e cinco anos, imbuído por um espírito premente de liberdade.

– Se quiser saber como acaba a cantiga então tire-me daqui. Ou então… nunca vai saber – insistiu Miguel.

Em resposta, o guarda atirou-lhe mais bastonadas e alguns pontapés. Miguel lá se foi resguardando como podia, gritando de seguida as suas dores em desespero. O berreiro foi escutado por um guarda que passava, que acabou por entrar na cela e segurar o colega. Seguiram-se algumas perguntas indiscretas e Miguel não teve pejo em apontar o dedo ao guarda Alves, que insistiu demoradamente para que o episódio fosse esquecido. Saíram depois os guardas da cela e Miguel ficou com as dores, mantendo o orgulho incólume.

Dois dias depois, o guarda Alves voltou à cela com uma postura diferente. Pediu-lhe desculpa pelo tratamento e garantiu-lhe que o mesmo não voltaria a repetir-se. Desculpou os nervos e as ações com o facto de ter um filho acamado em casa, quase moribundo. Para se salvar precisava de uma operação muito cara. Miguel ficou comovido e quase acedeu ao pedido, mas desconfiou do oportunismo. Face à obtusidade do recluso, o guarda deixou-lhe mais uma bastonada e saiu da cela. Regressaria ainda mais duas vezes sem sucesso.

Perante o cúmulo das frustrações, o guarda optou por alterar a estratégia e quis acreditar que o tempo lhe haveria de conferir alguma vantagem. Contudo, tudo se alterou no dia em que um dos reclusos, Joaquim Gomes, furou a rotina do pátio e dirigiu-se ao guarda Alves a fim de saber se ele estaria interessado em ganhar algum dinheiro em troca de uma ajuda. Ao ver-lhe algumas notas no bolso, o guarda Alves deixou-o continuar. Descobriu então que o recluso queria fugir da prisão.

Sombras de Silêncio #211

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