Sombras de Silêncio #210

Duas semanas depois, dois guardas entraram na cela de Miguel, privando-o das suas aventuras com um dragão vesgo, e levaram-no ao novo diretor para ser sujeito a uma reavaliação. Após meia dúzia de perguntas, que suscitaram muitas dúvidas, concluiu-se que Miguel ainda representava um perigo para a sociedade e a sentença prolongou-se por mais cinco anos. Miguel saiu de lá com a certeza de que nunca mais recuperaria a liberdade. Ao chegar à cela, deitou-se na cama e chorou aquela estranha forma de vida, abdicando do almoço e do pátio.

Miguel carregou a tristeza pelos dias seguintes, esquecido das suas aventuras, e só voltou a si quando o guarda Alves, mais de dois meses depois, irrompeu pela cela com novos problemas. O guarda contou-lhe que, durante a sua viagem de investigação, descobriu que o mosteiro ficava nas terras de Maceira Dão. Esteve lá durante uma semana, fazendo-se passar por um professor de História. Não descobriu qualquer segredo ou tesouro. Porém, ficou a saber, pelos caseiros da quinta, da existência de uma lenda sobre um leão de ouro que tinha sido escondido através de um acesso secreto do mosteiro. As perguntas e insistências levaram a desconfianças e o guarda Alves acabou por ser expulso do mosteiro pelos caseiros. Naquele momento, o condenado anteviu mais perguntas, suspeitas e ameaças. Miguel nada sabia sobre mosteiros ou tesouros; apenas conhecia como acabava a cantiga, mas não estava disposto a abdicar desse legado de saudade.

– Diz-me tudo o que sabes ou juro por Deus que nem os dentes se vão aproveitar! Como é que continua a cantiga? – ameaçou-o o guarda, baloiçando o bastão no ar.

Estranhamente, Miguel não se foi refugiar no medo. Sentiu-o, mas não o demonstrou. Estava farto daquele jogo de ameaças e preso à certeza inexorável de que jamais sairia dali com vida. Deixou-se ficar e nem sequer desviou o olhar. O guarda estranhou a postura e pregou-lhe um empurrão. Miguel segurou-se ainda antes de embater na parede, levantou o queixo, ergueu o olhar e estipulou as suas condições:

– Só lhe direi se me tirar daqui p’ra fora!

– Mas tu endoideces-te de vez? Já te esqueceste que fui que te tirei do Segredo? O que é que tu queres mais?

– Sair da prisão – respondeu Miguel, sem pestanejar.

Sombras de Silêncio #210

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