Sombras de Silêncio #197

O inspetor repreendeu-lhes as ações com severidade. Independentemente do merecimento, deveriam ter esperado que o meliante fosse fotografado de forma a completar o processo. O inspetor mandou então chamar o médico para tentar encobrir os hematomas. Contudo, por uma infeliz coincidência, o médico estava engripado em casa.

– Era só o que me faltava! Um médico doente! Mas será que nada funciona nesta prisão? Tratem de o acordar e levem-no para o Segredo até que o médico chegue. Rezem para que o homem não morra ou alguém vai ser responsabilizado por isto!

Os guardas acenaram afirmativamente, maldizendo em olhares sub-reptícios a atitude do recém-chegado. Porém, ficaram agradados pela temporada que Miguel haveria de passar em total isolamento.

– E mais… – continuou o inspetor, virando-se para o guarda Costa –, espero bem que deixe ficar esse relógio no cacifo do recluso. Mais tarde irei verificar se está tudo em ordem.

À saída do inspetor, Miguel continuava no chão, sem sentidos e por certo sem vontade de os recuperar. Os guardas carregaram então o seu corpo inerte para mais um banho, arrumaram os pertences de Miguel num cacifo e sentaram-se à espera. Algures a meio da anedota que o guarda Costa contava, Miguel despertou para as dores. Arrastou-se depois para sair debaixo do chuveiro e fechou a nudez no chão, como se estivesse a criar um casulo de proteção. Entre gritos, ameaças e mais alguns pontapés, Miguel vestiu-se depois em dor e com as roupas que lhe tinham trazido. Saíram da sala e Miguel foi acompanhando as ordens dos guardas através do corredor vazio, coxeando e trauteando as suas mazelas até à exaustão. Já no fundo do corredor, desceram as escadas, saíram para o pátio e atravessaram-no, perante o olhar curioso de outros presidiários. Entraram noutro pavilhão e seguiram até uma sala que ficava no fundo de um corredor revestido por mosaicos melancólicos. O guarda Costa tirou o molho de chaves que trazia agarrado à cintura e abriu a porta, revelando um espaço com pouco mais de dois metros quadrados, despido de condições e farto em gritos taciturnos. Não tinha janelas, nem vistas de compaixão e estava pintado de branco por dias de solidão. No fundo, a porta tinha uma pequena portinhola que servia para deixar as refeições.

Sombras de Silêncio #197

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