Sombras de Silêncio #167

Três anos depois de estarem juntos apareceu Rui, um rapaz que cresceu desenfreado; o peso acompanhou proporcionalmente a altura e os seus olhos castanhos vidrados amedrontavam qualquer herói. Cerca de cinco anos depois apareceu Rita, que cresceu à margem dos espetáculos, espreitando dos bastidores. Rita estava encarregue de lavar, cozinhar e limpar, entre outras tarefas que ia arrastando pela vida, enquanto sonhava pela estabilidade que algum príncipe encantado lhe poderia ofertar.

Miguel ficou muito agradado com a viagem até Condeixa-a-Nova, respondendo às várias perguntas e enumerando, de forma eloquente, as encruzilhadas que o tinham levado a Coimbra. Entre olhares disfarçados para a sua princesa, Miguel ficou a conhecer quais as andanças a que iria estar sujeito no futuro imediato. Soube ainda que, de acordo com a sua prestação, poderia receber, para além de comida e dormida, um escudo por cada espetáculo realizado. Apesar de o salário ser bastante inferior ao que recebia na universidade, o restante parecia correr a contento das suas ambições.

Depois de algumas indefinições, o Circus Caricatus acabou por criar amarras à entrada da vila ao início da tarde, posicionando uma das carruagens enquanto a outra foi anunciar o espetáculo. Saraiva foi trauteando ladainhas apelativas ao negócio e ficou agradado com as perspetivas, dada a existência de inúmeras casas apalaçadas. Considerou até a hipótese de alguma família abastada requerer uma representação privada. Saraiva voltou depois para o acampamento e encomendou a Miguel que tratasse da limpeza e do banho dos quatro equídeos, indicando-lhe como deveria proceder. Relembrou-o também das aparições e dos breves diálogos que deveria representar na encenação. À medida que o tempo foi passando, Miguel foi escovando o frenesim e a ansiedade. Aquela seria a primeira vez que estaria num palco perante os olhares indiscretos de pessoas desconhecidas.

Entretanto, Miguel aproveitava cada hipótese que tinha para agraciar os olhos com a visão de Ritinha, que andava com panos na mão a limpar as carruagens, com o vestido branco e um lenço bege sobre a cabeça loira. A mãe e o irmão aproveitavam para colocar as cortinas e a passadeira vermelha, trocando algumas impressões suspeitas sobre o rapaz, expectantes sobre o futuro próximo.

Sombras de Silêncio #167

Comentários