Sombras de Silêncio #161

O tratamento não coibiu Miguel de regressar no dia seguinte. Depois do anoitecer, voltou ao parque para assistir pela terceira vez ao espetáculo. Contentava-se a vê-la, sorrindo de forma envergonhada. Sentiu então alguma frustração pela imaturidade. A única experiência que teve com uma rapariga começara mal e acabara ainda pior. Não obstante, sentia-se feliz. Cada olhar devolvido era o prólogo perfeito para uma noite de sonhos.

A terça-feira também foi dia de espetáculo, mas face à diminuição do número de espetadores, Hércules revelou que na quinta-feira partiriam para Condeixa-a-Nova. A notícia vincou em Miguel a inevitabilidade da perda anunciada. Naquela noite, prostrado na janela, perscrutou o céu e as estrelas à espera de um arranjo mágico que os juntasse e evitasse qualquer prejuízo que ele pudesse causar de forma inadvertida pela sua inexperiência. Ao acordar, sentiu uma vontade inusitada de aproveitar os últimos momentos em que a veria, desgarrado de tristezas que de nada lhe valeriam. Porém, pouca alegria lhe restava no final do dia de trabalho. Arrastava o balde de água e a vassoura de giestas como se fosse o fim da esperança. O professor António notou-lhe a falta de ânimo e quis saber o que se passava.

– Sabe onde fica Condeixa-a-Noiva? – perguntou Miguel.

Condeixa-a-Noiva? Ou Condeixa-a-Nova? Tu estás um bocado despistado. O que te atormenta? – voltou a perguntar o professor.

– Você não queira saber, doutor! Não me pode ajudar nisto. Deixe-me ‘tar.

– Ó rapaz, deixa-te de lamúrias! Cheira-me a mal de amor. Acertei?

Miguel, sem o confirmar, desviou o olhar e pôs-se a varrer aleatoriamente o chão, envergonhado tanto pelo assunto como pelo inquisidor.

– Não há que ter vergonha, desde que seja com a graça de Deus. Estás interessado numa moça e deram-te com os pés. Estás perdido. É assim?

– Não é bem assim, doutor. Ela trabalha no… bem ela é filha do dono do circo que está ali p’rós lados do parque e amanhê à noite vai-se embora p’ra terra que o doutor disse.

– E ela sabe que tu existes? – perguntou o professor.

– Sabe mais ou menos. Chama-se Ritinha e eu gosto muito dela – disse Miguel, mantendo o ar envergonhado.

– Tudo na vida tem solução. Eu acho que, primeiro de tudo, deves ir falar com o pai, a quem cabe decidir sobre o futuro da filha.

Sombras de Silêncio #161

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