Servidão Humana

Servidão humanaA curiosidade e o interesse foram-me despertados pelo título. “Servidão Humana” poderia relatar contextos tão díspares como complexos, desde o trabalho imposto aos vários géneros de amor. Bastou-me a leitura do prefácio para saber que tinha de ler este livro. Em 2015 passam exatamente 100 anos desde que Somerset Maugham colocou o último ponto final na história que se tornou num dos livros mais emblemáticos do século XX. Ainda no prefácio, e depois de pedir desculpas pelo tamanho da obra, Somerset revela o contexto do surgimento do romance autobiográfico. Um dos aspetos mais marcantes do livro está relacionado com o facto de o autor ter escrito a primeira versão do romance quando tinha apenas 23 anos, ao qual deu o nome “The artistic temperament of Stephen Carey”. Acabou contudo por não conseguir que o manuscrito fosse publicado e a história foi parar à prateleira do esquecimento.

Apesar de ter ficado melindrado com a situação, Somerset Maugham construiu depois uma carreira de sucesso como dramaturgo. Porém, o autor “ansiava pela liberdade do romance”. Depois de passar anos a aperfeiçoar o seu estilo literário, numa prosa adornada, quando finalmente decidiu regressar ao romance procurou a clareza e a simplicidade. Passou a escrever as palavras estritamente necessárias, num texto conciso e sem espaço para “arrebiques”. Também, Somerset optou por escrever apenas sobre o que conhecia ou experienciara. Ao invés de imaginar e florear aventuras, baseou-se nas suas experiências de vida. Aos 37 anos, suficientemente distanciado dos acontecimentos e com uma perspetiva amadurecida sobre os temas que explorara na primeira versão, o autor reescreveu toda a história e atribui-lhe um novo título. Desde então, “Servidão Humana” tornou-se de facto num manual de excelência sobre como escrever um romance, sendo um dos livros mais referenciados por escritores. A simplicidade – sem ser simplista – da sua escrita redefiniu o estilo literário e Somerset Maugham tornou-se num dos escritos mais influentes da literatura moderna.

Somerset MaughamO romance autobiográfico acompanha a vida de Philip. Após ficar órfão, Philip vai viver com os tios e é educado num contexto severo e profundamente religioso. É descrito com minúcia o ambiente vitoriano, tanto em casa como na escola. Philip revela-se um bom aluno, mas é perseguido por uma deficiência física (pé boto). Depois de recusar o sacerdócio, parte numa viagem de redescoberta. Conhece as primeiras raparigas e perde-se pela vida boémia, discutindo religião, filosofia e literatura. Tenta prosseguir uma vida artística através da pintura, mas acaba por se decidir pela medicina. Pelo meio conhece Mildred, por quem se apaixona perdidamente. Ela revela-se uma mulher grosseira e ignorante, que o explora e humilha. Ainda assim, ele não lhe consegue resistir, tornando-se seu servo. A história prossegue com muitos encontros e desencontros, sendo que Philip acaba por ser arrastado para uma vida precária.

“Servidão Humana” é uma viagem filosófica que espelha a dimensão de pensador do autor. Apesar de o título se referir sobretudo à relação amorosa que é descrita, pode-se extrapolar o tema para outros contextos. Espinosa, no qual Somerset Maugham se inspirou para criar o título do romance, chamava “servidão à impotência do ser humano para governar ou restringir (as suas) emoções”. E, na verdade, somos servos de nós próprios e da vida.

Bons livros e boas leituras!


 

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